26 março 2008

Desamar amar

"Que pode uma criatura senão entre criaturas, amar?
Amar e esquecer?
Amar e malamar
Amar, desamar e amar
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
Sozinho, em rotação universal,
se não rodar também, e amar?
Amar o que o mar trás a praia,
O que ele sepulta, e o que, na brisa marinha
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amor inóspito, o áspero
Um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte,
e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este é o nosso destino:
amor sem conta, distribuído pelas coisas
pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor
Amar a nossa mesma falta de amor,
e na secura nossa, amar a água implícita,
e o beijo tácito e a sede infinita."
Carlos Drummond de Andrade

24 março 2008

Último dia

Era seu último dia de vida, mas ele ainda não sabia disso. Naquela manhã, sentiu vontade de dormir mais um pouco. (...) logo abandonou a idéia de ficar um pouco mais na cama e se levantou, pensando na montanha de coisas que precisava fazer na empresa. Lavou o rosto e fez a barba correndo, automaticamente. Não prestou atenção no rosto cansado nem nas olheiras escuras, resultado das muitas noites mal dormidas. "A vida é uma seqüência de dias vazios que precisamos preencher", pensou enquanto jogava a roupa por cima do corpo. Engoliu o café e saiu resmungando baixinho um "bom-dia", sem convicção. Desprezou os lábios da esposa, que se ofereciam para um beijo de despedida. Não notou que os olhos dela ainda guardavam a doçura de mulher apaixonada, mesmo depois de tantos anos de casamento. Não entendia porque ela se queixava tanto da ausência dele e vivia reivindicando mais tempo para ficarem juntos. Ele estava conseguindo manter o elevado padrão de vida da família, isso não bastava? Claro que não teve tempo para sorrir quando o cachorro, alegre, abanou o rabo. Deu a partida e acelerou. Ligou o rádio que tocava uma canção antiga do Roberto Carlos, "detalhes tão pequenos de nós dois..." Pensou que não tinha mais tempo para curtir detalhes tão pequenos da vida. (...) Pegou o telefone celular e atendeu a ligação da sua filha. Sorriu quando soube que o netinho havia dado os primeiros passos. Ficou sério quando a filha lembrou-o de que há tempos ele não aparecia e o convidou para almoçar. Ele relutou bastante: sabia que iria gostar muito de estar com o neto, mas não podia, naquele dia, dar-se ao luxo de sair da empresa. Agradeceu o convite, mas respondeu que seria impossível. Quem sabe no próximo final de semana? (...) Chegou a empresa e mal cumprimentou as pessoas. A agenda estava totalmente lotada e era muito importante começar logo a atender seus compromissos, pois tinha plena convicção de que pessoas de valor não desperdiçam seu tempo com conversa fiada. No que seria sua hora do almoço, pediu para a secretaria trazer um sanduíche e um refrigerante diet. O colesterol estava alto, precisava fazer um check-up, mas isso ficaria para o mês seguinte. Começou a comer enquanto lia alguns papeis que usaria na reunião da tarde. Nem observou que tipo de lanche estava mastigando. Enquanto mastigava relacionava os telefones que deveria dar, sentiu um pouco de tontura, a vista embaçou. Lembrou-se do médico advertindo-o, alguns dias antes, quando tivera os mesmos sintomas, de que estava na hora de fazer um check-up. Mas ele logo concluiu que era um mal-estar passageiro, que seria resolvido com um café forte, sem açúcar. Terminado o "almoço", escovou os dentes e voltou a sua mesa. "A vida continua", pensou. Mais papeis para ler, mais decisões a tomar, mais compromissos a cumprir. Nem tudo saía como ele queria. Começou a gritar com o gerente, exigindo que este cumprisse o prometido. Afinal, ele estava sendo pressionado pela diretoria. Tinha de mostrar resultados. Será que o gerente não conseguia entender isso? Saiu para a reunião já meio atrasado. Não esperou o elevador. Desceu as escadas pulando de dois em dois degraus. Parecia que a garagem estava a quilômetros de distância, encravada no miolo da terra. Entrou no carro, deu partida e, quando ia engatar a primeira marcha, sentiu de novo o mal-estar. Agora havia uma dor forte no peito. O ar começou a faltar... a dor foi aumentando... o carro desapareceu... os outros carros também.... Os pilares, as paredes, a porta, a claridade da rua, as luzes do teto, tudo foi sumindo diante de seus olhos, ao mesmo tempo em que surgiam cenas de um filme que ele conhecia bem. Era como se o videocassete estivesse rodando em câmera lenta. Quadro a quadro, ele via esposa, o netinho, a filha e, umas após outra, todas as pessoas que mais gostava. Por que mesmo não tinha ido almoçar com a filha e o neto? O que a esposa tinha dito a porta de casa quando ele estava saindo? Por que não foi pescar com os amigos no último feriado? A dor no peito persistia, mas agora outra dor começava a perturbá-lo: a do arrependimento. Ele não conseguia distinguir qual era a mais forte, a da coronária entupida ou a de sua alma rasgando. Escutou o barulho de alguma coisa quebrando dentro de seu coração. De seus olhos escorreram lágrimas silenciosas. Queria viver, queria ter mais uma chance, queria voltar para casa e beijar a esposa, abraçar a filha, brincar com o neto... Queria... Queria muito... Mas não deu tempo... Aquele era seu último dia.

23 março 2008

Ponto Final

"Não desejarás!
Não desejarás a mulher do próximo!
... e a mulher do próximo, pode me desejar?
E se desejo o próximo ou ele me deseja?
E se o próximo não deseja a mulher dele?
E se a mulher do próximo não deseja ele?
E se os três nos desejamos?
E se ninguém deseja ninguém?
E se minha mulher deseja a mulher do próximo?
E, por que não... o próximo?
E se o próximo deseja minha mulher?
E se eu desejo a minha mulher e a do próximo?
E se ambas me desejam?
E se... todos nos desejamos?
Sempre aparecerá alguém para dizer:
'vamos parar por aí!... não desejarás!... e ponto final!'"
Sérgio Kohan

20 março 2008

O coelho e a tartaruga

"A revista inglesa 'The Economist' analisou nessa semana as diferenças dos modelos econômicos de Brasil e Argentina e destacou porque os “vagarosos brasileiros estão alcançando a veloz economia argentina”.
“Pegue duas economias vizinhas, ambas extremamente dependentes de preços de commodities para obter bons resultados na balança comercial. Aplique a uma delas uma política monetária ortodoxa e veja ela acolher investidores estrangeiros e adotar o câmbio flutuante. Entregue o comando da outra a empreendores que recorreram à fixação de preços, proibição ou taxação de algumas de suas próprias exportações, e que mentem abertamente sobre a taxa de inflação. O resultado? O malandro – Argentina – continua a crescer a uma taxa de 9%, enquanto, por contraste, o bem comportado Brasil segue vagaroso. É hora de reescrever os livros de economia? Os argentinos acham que sim. Mas há sinais de que o Brasil ainda pode chegar na frente.
Os brasileiros adotam uma política econômica mais cautelosa, voltada, principalmente, para o combate à inflação e para evitar o risco de um grande déficit na conta corrente do país. Na Argentina, essa cautela é sinal de fraqueza. Os políticos do país parecem determinados a mostrar que tudo que a América Latina precisa para crescer tão rápido quanto a China é arrancar a camisa-de-força do ‘neoliberalismo’ e de seus principais patrocinadores – aqueles horrorosos detentores de títulos e o FMI.
Então, apesar de os dois países terem se beneficiado enormemente das condições externas favoráveis, o Brasil está melhor posicionado do que pode parecer. Por causa da baixa inflação, em termos reais o crescimento da renda brasileira começou a alcançar a dos argentinos. Mas o Brasil tem muito mais espaço de manobra se a situação piorar. A Argentina, em contraste, se colocou em uma posição delicada. Qualquer diminuição da receita gerada pelas exportações prejudicaria sua base de arrecadação fiscal, e o Banco Central argentino dificilmente poderia imprimir mais dinheiro do que o nível atual. O investimento direto estrangeiro na Argentina chegou apenas a cresceu 12%, no ano passado, comparado ao aumento de 84% (um recorde de 35 bilhões de dolares) de investimentos externos no Brasil. Os brasileiros podem ser perdoados por acessos ocasionais de inveja em relação aos vizinhos, mas coisas boas acontecem para quem sabe esperar.”
The Economist, em 20/03/2008.

Demagogia publicitária

19 março 2008

O meu fim


"Oh minha senhora ó minha senhora oh não se incomode senhora minha não faça isso eu lhe peço eu lhe suplico por Deus nosso redentor minha senhora não dê importância a um simples mortal vagabundo como eu que nem mereço a glória de quanto mais de... não não não minha senhora não me desabotoe a braguilha não precisa também se despir o que é isso é verdadeiramente fora de normas e eu não estou absolutamente preparado para semelhante emoção ou comoção sei lá minha senhora nem sei mais o que digo eu disse alguma coisa? sinto-me sem palavras sem fôlego sem saliva para molhar a língua e ensaiar um discurso coerente na linha do desejo sinto-me desamparado do Divino Espírito Santo minha senhora eu eu eu ó minha senh... esses seios são seus ou é uma aparição e esses pêlos essas nád... tanta nudez me deixa naufragado me mata me pulveriza louvado bendito seja Deus é o fim do mundo desabando no meu fim eu eu ..."
Carlos Drummond de Andrade - O Amor Natural

17 março 2008

Hipocrisia americana

O Clube dos Hipócritas
"A história americana é cheia de exemplos do puritanismo perturbando a lei, das bruxas de Salem até hoje. Anthony Comstock, um agitador anti-pornô do século 19, utilizou sua posição de inspetor dos correios para queimar 50 toneladas de livros e 4 mil figuras e desenhos. Ele se gabava de ser o responsável por 4.000 prisões durante a sua carreira e por 15 suicídios. Durante a Proibição, pessoas podiam pegar prisão perpétua por consumo de álcool.
O puritanismo continua acuando o país em novos disfarces. O mais dramático exemplo da nova versão da Proibição na América, a “guerra às drogas”, ajuda a explicar porque um de cada cem cidadãos americanos adultos está na prisão. Mas há uma série de exemplos menores: as escolas impuseram regras de tolerância-zero que resultam em expulsão por qualquer ofensa, enquanto que os cidadãos do Texas não podem comprar vibradores; já os demais cidadãos americanos, estão proibidos de beber até que completem 21 anos.
A combinação de legalismo com puritanismo invariavelmente produz os mesmos sombrios resultados. Ela cria uma máquina governamental burocrática muito expensiva e gigantesca que arrasta, sem nenhuma desculpa – e as regras de comércio inter-estaduais são uma prova disso – seus poderes sobre todos os cidadãos ou os vigia sem parar. Ela constrói rapidamente seus fanáticos zeladores que perseguem suas manias com pouco senso de proporção ou decência (relembre de Kenneth Starr [promotor que tentou o impeachment de Clinton por causa de sua relação com Mônica Lewinski]). No final, essa combinação acaba devorando seus próprios filhos. O ex-governador Spitzer é apenas o último de uma infinita linha de cruzados moralistas empalados em suas próprias espadas.”

Fonte: The hypocrites' club - The Economist, em 13/3/2008.

15 março 2008

Free Tibet

Já que os EUA querem libertar os povos oprimidos do planeta, que tal libertar o Tibet? Depois podem partir para a palestina...





"As forças de segurança chinesas tomaram neste sábado as ruas de Lhasa, a capital do Tibete, mandou turistas saírem da cidade e implantou um estrito toque de recolher, num momento que Pequim arrisca sofrer um boicote aos seus Jogos Olímpicos no caso de uma repressão agressiva aos protestos na região. China exige o fim dos protestos tibetanos até as 13h deste domingo (horário de Brasília) e ameaça tomar "medidas severas".
Os protestos começaram na segunda-feira (10) passada, com o 49º aniversário da malsucedida insurreição contra a dominação chinesa. O Tibete era um país independente até 1951, quando a China o ocupou. O ápice dos confrontos ocorreu na última sexta-feira (14). O tibetanos afirmam que choques com forças chinesas deixaram cem mortos, até agora, mas o governo da China admite oficialmente apenas dez.
A presença militar nas ruas impôs um tenso silêncio em Lhasa, um dia depois que manifestantes tibetanos atacaram prédios governamentais e apedrejaram chineses no pior protesto contra a dominação chinesa em aproximadamente duas décadas.
Em outra cidade à oeste do Tibete, a polícia entrou em confronto com centenas de monges budistas que lideraram uma demonstração de simpatia aos manifestantes."

Fonte: Folha de São Paulo, em 15/03/2008.

09 março 2008

A Catarse e a Mídia


"O maior fenômeno de anti-jornalismo dos últimos anos foi o que ocorreu com a revista Veja. Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.
Para entender o que se passou com a revista nesse período, é necessário juntar um conjunto de peças.
O primeiro conjunto são as mudanças estruturais que a mídia vem atravessando em todo mundo.
O segundo, a maneira como esses processos se refletiram na crise política brasileira e nas grandes disputas empresariais, a partir do advento dos banqueiros de negócio que sobem à cena política e econômica na última década..
A terceira, as características específicas da revista Veja, e as mudanças pelas quais passou nos últimos anos.
O estilo neocon
De um lado há fenômenos gerais que modificaram profundamente a imprensa mundial nos últimos anos. A linguagem ofensiva, herança dos “neocons” americanos, foi adotada por parte da imprensa brasileira como se fosse a última moda.
Durante todos os anos 90, Veja havia desenvolvido um estilo jornalístico onde campeavam alusões a defeitos físicos, agressões e manipulação de declarações de fonte. Quando o estilo “neocon” ganhou espaço nos EUA, não foi difícil à revista radicalizar seu próprio estilo.
Um segundo fenômeno desse período foi a identificação de uma profunda antipatia da chamada classe média mídiatica em relação ao governo Lula, fruto dos escândalos do “mensalão”, do deslumbramento inicial dos petistas que ascenderam ao poder, agravado por um forte preconceito de classe. Esse sentimento combinava com a catarse proporcionada pelo estilo “neocon”. Outros colunistas utilizaram com talento – como Arnaldo Jabor -, nenhum com a fúria grosseira com que Veja enveredou pelos novos caminhos jornalísticos.
O jornalismo e os negócios
Outro fenômeno recorrente – esse ainda nos anos 90 -- foi o da terceirização das denúncias e o uso de notas como ferramenta para disputas empresariais e jurídicas.
A marketinização da notícia, a falta de estrutura e de talento para a reportagem tornaram muitos jornalistas meros receptadores de dossiês preparados por lobistas.
Ao longo de toda a década, esse tipo de jogo criou uma promiscuidade perigosa entre jornalistas e lobistas. Havia um círculo férreo, que afetou em muitos as revistas semanais. E um personagem que passou a cumprir, nas redações, o papel sujo antes desempenhado pelos repórteres policiais: os chamados repórteres de dossiês.
Consistia no seguinte:
O lobista procurava o repórter com um dossiê que interessava para seus negócios.
O jornalista levava a matéria à direção, e, com a repercussão da denúncia ganhava status profissional.
Com esse status ele ganhava liberdade para novas denúncias. E aí passava a entrar no mundo de interesses do lobista.
O caso mais exemplar ocorreu na própria Veja, com o lobista APS (Alexandre Paes Santos).

Durante muito tempo abasteceu a revista com escândalos. Tempos depois, a Policia Federal deu uma batida em seu escritório e apreendeu uma agenda com telefones de muitos políticos. Resultou em uma capa escandalosa na própria Veja em 24 de janeiro de 2001 (clique aqui) em que se acusavam desde assessores do Ministro da Saúde José Serra de tentar achacar o presidente da Novartis, até o banqueiro Daniel Dantas e o empresário Nelson Tanure de atuarem através do lobista.
Na edição seguinte, todos os envolvidos na capa enviaram cartas negando os episódios mencionados. Foram publicadas sem que fossem contestadas.
O que a matéria deixou de relatar é que, na agenda do lobista, aparecia o nome de uma editora da revista - a mesma que publicara as maiores denúncias fornecidas por ele. A informação acabou vazando através do Correio Braziliense, em matéria dos repórteres Ugo Brafa e Ricardo Leopoldo.
A editora foi demitida no dia 9 de novembro, mas só após o escândalo ter se tornado público.
Antes disso, em 27 de junho de 2001(clique aqui) Veja publicou uma capa com a transcrição de grampos envolvendo Nelson Tanure. Um dos “grampeados” era o jornalista Ricardo Boechat. O grampo chegou à revista através de lobistas e custou o emprego de Boechat, apesar de não ter revelado nenhuma irregularidade de sua parte.
Graças ao escândalo, o editor responsável pela matéria ganhou prestígio profissional na editora e foi nomeado diretor da revista Exame. Tempos depois foi afastado, após a Abril ter descoberto que a revista passou a ser utilizada para notas que não seguiam critérios estritamente jornalísticos.
Um dos boxes da matéria falava sobre as relações entre jornalismo e judiciário.
O boxe refletia, com exatidão, as relações que, anos depois, juntariam Dantas e a revista, sob nova direção: notas plantadas servindo como ferramenta para guerras empresariais, policiais e disputas jurídicas."
Luis Nassif
Para ler o "Dossiê Veja" completo, clique aqui.
Para ler a entrevista de Nassif na revista Caros Amigos, clique aqui.
Para ler a reportagem da Carta Capital sobre o "Dossiê Veja", clique aqui.

08 março 2008

Dura Consciência


"Quem, de três milênios,
Não é capaz de se dar conta
Vive na ignorância, na sombra,
À mercê dos dias, do tempo.."
Johann Wolfgang von Goethe

07 março 2008

Opinião Absoluta X Opinião Relativa

"MARCOS ZIBORDI - Você compartilha da opinião quase unânime de que o presidente Lula é analfabeto e precisa ler?
LFV - Olha, com algumas exceções, como o Costa e Silva, que confundia latrocínio com laticínio, fomos sempre governados por homens letrados, muitos deles intelectuais de nome, que conseguiram construir o país mais desigual e injusto do mundo sem cometer um erro de concordância.

RENATO POMPEU - Você é muitas vezes apontado como esquerdista. O que acha de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador? Como você qualificaria o estado atual da esquerda no Brasil em geral e o governo Lula em particular?
LFV - No Brasil temos o mau hábito de exigir opiniões absolutas sobre tudo. Talvez porque as opiniões relativas pareçam vir de cima do muro. Mas você pode achar certas coisas em Cuba admiráveis, como a independência que conseguem manter ali embaixo do focinho dos Estados Unidos e o que, apesar de tudo, conquistaram em matéria de saúde pública e educação, e achar outras lamentáveis, como a falta de pluralidade política e a presidência vitalícia do Fidel. Entende-se que a direita brasileira seja obcecada por Cuba e, agora, pelo Chávez, mas não é preciso imitar sua radicalidade, a favor ou contra. A mesma coisa vale para os Estados Unidos, que são admiráveis e execráveis, dependendo do que você está falando. O governo Lula, a mesma coisa, só que nesse caso a gente tende a ser mais a favor do que contra para não engrossar o coro dos reacionários, que já é suficientemente grosso. Esse tal de novo populismo na América do Sul é importante menos pelo que é do que pela sua origem, o fracasso de políticas neoliberais recentes em cima de todos os anos de descaso social das elites do continente, que agora têm que enfrentar os Chaves e os Morales e outros monstros que criou. O novo populismo, ou como quer que se chame isso, também tem seu lado animador e seu lado discutível, além do seu lado precário. Já a esquerda brasileira continua como sempre foi, dividida."
Entrevista da Caros Amigos com Luis Fernando Veríssimo, em janeiro de 2008.

04 março 2008

Tibet


Em plena Xangai, Björk protestou pela libertação do Tibet. A música "Declare Independence" foi dedicada ao país que foi invadido pela China em 1950.
Segundo a CNN, os gritos de "Tibet! Tibet!", não foram relatados pela imprensa local e preocuparam a platéia, que deixou o show apressada.

01 março 2008

A Flecha

Hoje foram iniciados os encontros da Academia Cultural, como uma forma de desenvolvimento de consciências.
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No Japão, um professor alemão, Herrigel, estava aprendendo a arte do arco-e-flecha com um mestre Zen. Ele se tornou perfeito, 100% perfeito, não errava nenhum alvo.

Naturalmente, ele disse ao mestre: "Agora o que resta aprender aqui? Posso ir embora agora?".
O mestre respondeu: "Você pode ir, mas não aprendeu nem o bê-á-bá da minha arte".
Herrigel disse: "O bê-á-bá da sua arte? Mas eu sempre acerto o alvo!".
O mestre replicou: "Quem está falando em alvo? Qualquer tolo pode fazer isso, basta praticar. Isso não tem nada de mais; agora é que começa a verdade. Quando o arqueiro pega o arco e a flecha e mira o alvo, há três coisas aí: uma é o arqueiro, o mais fundamental e básico, a fonte, a essência; depois há a flecha, o que passará do arqueiro para o alvo; e depois há o "olho do touro", o alvo, o ponto mais distante. Se você acertou o alvo, atingiu o mais distante, tocou na periferia. Você precisa tocar na fonte; você se tornou tecnicamente um especialista em atingir o alvo; mas, se estiver tentando penetrar nas águas mais profundas isso não é muito. Você é um especialista, é uma pessoa de conhecimento, mas não de sabedoria. A flecha se movimenta a partir de você, mas você não sabe de que fonte vem a energia que a move. Como ela se movimenta? Quem a está movimentando? Você não sabe isso, não conhece o arqueiro. Você praticou o arco-e-flecha, o alvo você acertou, sua pontaria foi 100% perfeita, você se tornou eficiente com um nível de perfeição de 100%, mas isso se refere ao alvo. E você? E o arqueiro? Alguma coisa aconteceu no arqueiro? Sua consciência mudou um pouco? Não, nada mudou. Você é um técnico e não um artista. Você vê as flores de uma árvore, mas esse não é o conhecimento real, a menos que você penetre fundo e conheça as raízes. As flores dependem das raízes; elas nada mais são do que a expressão da essência das raízes. As raízes estão carregando a poesia,a fonte, a seiva que se tornarão as flores, que se tornarão os frutos, que se tornarão as folhas. E, se você contar continuamente somente com as flores, os frutos e as flores e nunca penetrar na escuridão da terra, nunca entenderá a árvore, pois a árvore está nas raízes."

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A Academia Cultural pretende ser a flecha que nos prepare para começar a conhecer o arqueiro.