30 outubro 2009

A Dor

Chorei porque não era mais uma criança com a fé cega de criança. Chorei porque não podia mais acreditar e adoro acreditar. Chorei porque daqui em diante chorarei menos. Chorei porque perdi a minha dor e ainda não estou acostumada com a ausência dela.

Anais Nin

23 outubro 2009

Presença

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento
das horas ponha um frêmito em teus cabelos...
É preciso que a tua ausência trescale
sutilmente, no ar, a trevo machucado,
as folhas de alecrim desde há muito guardadas
não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janela
e respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir
como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.

Mário Quintana

21 outubro 2009

Apesar de você

Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não.
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão.
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão.

Apesar de você
amanhã há de ser outro dia.
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar.

Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido,
Esse grito contido,
Esse samba no escuro.

Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
de a “desinventar”.
Você vai pagar, e é dobrado,
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar.

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Ainda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria.

Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença.

E eu vou morrer de rir
E esse dia há de vir
antes do que você pensa.
Apesar de você

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia.

Como vai se explicar
Vendo o céu clarear, de repente,
Impunemente?
Como vai abafar
Nosso coro a cantar,
Na sua frente.
Apesar de você

Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia.
Você vai se dar mal, etc e tal,
La, laiá, la laiá, la laiáÂ…Â…
Chico Buarque de Holanda - Apesar de você

Adaptação

Me nego a viver em um mundo ordinário como uma mulher ordinária. A estabelecer relações ordinárias. Necessito do êxtase. Não me adaptarei ao mundo. Me adapto a mim mesma.

Anais Nin

20 outubro 2009

19 outubro 2009

A consciência e o sono

Digo a vocês, o mal não existe e não existem forças maléficas no mundo. Existem apenas pessoas de consciência e pessoas que estão profundamente adormecidas - e o sono não tem força alguma. Toda a energia está nas mãos das pessoas despertas.
E uma pessoa desperta pode despertar o mundo inteiro. Uma vela acesa pode acender milhões de velas sem que sua chama se apague.
Osho

15 outubro 2009

A tua divindade

Sim, eu sou o começo de algo novo;
mas não o começo de uma nova religião.
Eu sou o começo de um novo tipo de religiosidade,
que não conhece adjetivos nem fronteiras;
que só conhece a liberdade do espírito,
o silêncio do teu ser, o crescimento do teu potencial
e, finalmente, a experiência da tua divindade interior -
não de um Deus fora de ti, mas de uma divindade que emana de ti.

Osho, em Autobiografia de um Místico Espiritualmente Incorreto

05 outubro 2009

Paciência e bom sexo, não necessariamente nessa ordem

Paciência e bom sexo. Esta é a receita de um casamento longo. Quem disse isso foi o americano Gay Talese, 77 anos, o jornalista mestre dos jornalistas, em entrevista recente. Talese inspirou a minha geração de repórteres a escrever sobre gente. Seu próximo livro será sobre os 50 anos de convívio com a mulher. Meio século de casamento e ainda apaixonados? Achei o máximo seu poder de concisão numa matéria em que o protagonista é ele próprio. Pensei: não pode ser tão simples, há outros segredos nesse coquetel de felizes para sempre. O humor. A admiração mútua. A cumplicidade. O respeito. A identificação. Gostos parecidos. Torcer pelo mesmo time de futebol.

Essa história de que “os opostos se atraem” só faz sentido em aula de Física ou em namoro-relâmpago aos 19 anos. A vida depois ensina que o amor é um espelho. Mesmo que fique um pouco turvo. Porque negociar e fazer concessões o tempo todo deve ser um porre. Igual a comprar tapetes no Marrocos. Barganha daqui e dali e todos se sentem meio ludibriados.

No fundo, Talese está certo. Se eu tivesse que escolher apenas dois segredos para manter um bom casamento, acho que seriam mesmo “paciência e bom sexo”. Sem bom sexo, a paciência é missão impossível. Já experimentou os efeitos do jejum continuado ou da frustração na cama? Alguém consegue ser paciente com o inferno do outro se não existir bom sexo? Por algum tempo, talvez. E sem paciência, o sexo ficará cada vez pior e mais raro. É possível sentir tesão por alguém que só reclama e se irrita? Sem paciência e bom sexo, ahá: lá vêm elas, as cobranças. O diálogo de surdos. O resto todos sabem. É inacreditável o número de casais que trocam farpas e ironias publicamente.

Eu e o casamento não fomos feitos um para o outro. Agora, comprovei, definitivamente. Posso contar nos dedos de uma mão o número de casamentos a que eu fui. No último domingo, eu estava preparada psicologicamente para ir ao casamento de uma grande amiga. Ou imaginava estar. Até comprei vestido. À noite, ao pedir carona a um amigo, ele me disse incrédulo: “Ruth, o casamento foi às 13h”. Que vergonha. Mas tem lógica. Eu jamais casei oficialmente, por opção. Por isso os casamentos me parecem cerimônias de ficção. Não quero dizer que não acredito no amor sincero e no companheirismo ou na vontade de construir projetos comuns. Vivi tudo isso intensamente com dois ex, e com cada um tive um filho. Hoje, não “moro” mais, só namoro – o mesmo há 18 anos. Cada um tem sua casa. Eu acharia difícil não ter um amor, um parceiro para dividir a vida. Não seria feliz sozinha.

Há 47 milhões de adultos solteiros no Brasil, homens e mulheres. É muita gente. Não sei quantos deles estão sós ou apenas solteiros. Solidão não faz bem.

Gay e Nan Talese passaram por algumas tormentas, como todos os casais. A maior foi quando ele escreveu o livro A Mulher do Próximo (1980), sobre a revolução sexual americana. Foi um escândalo na época. Talese foi cliente de casas de massagem, e participou de campos de nudismo. Não levava crachá de jornalista. Desconfio que o mais paciente do casal tenha sido a mulher dele, que é editora de livros. Ela está sendo entrevistada por repórteres para dar sua versão sobre o casamento com Talese. Não sei o que eu acharia de um marido que dissesse o seguinte: “Minha mulher sempre foi muito reservada. Quem participou dos escândalos fui eu. Ela sempre reagiu com muita dignidade. Eu diria que Nan foi a Hillary Clinton da minha vida: ela sempre reagiu a tudo com altivez”.

Conheço vários casais nessa mesma linha clintoniana. “Deram certo” porque a mulher foi muito digna. Isso significa que o casamento sobreviveu às estripulias do marido, graças à paciência dela… e ao bom sexo dele. Talese disse que seu casamento é uma história de amor e ódio, paixão e raiva, e enche a bola da mulher com quem teve duas filhas: “Ela continua uma amante espetacular”.
Ruth de Aquino - Clunas Época