29 outubro 2008

Grande Edgar

Já deve ter acontecido com você.

- Não está se lembrando de mim?

Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, e todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele está ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados antecipando a sua resposta. Lembra ou não lembra?

Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.

Um, o curto, grosso e sincero.

- Não.

Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O "Não" seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos não entre pessoas educadas. Você devia ter vergonha. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem.

Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, ‚ o da dissimulação.

- Não me diga. Você é o... o...

"Não me diga", no caso, quer dizer "Me diga, me diga". Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com a sua agonia. Ou você pode dizer algo como:

- Desculpe, deve ser a velhice, mas...

Este também é um apelo à piedade. Significa "Não torture um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!". É uma maneira simpática de dizer que você não tem a menor idéia de quem ele é, mas que isso não se deve à insignificância dele e sim a uma deficiência de neurônios sua.

E há um terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.

- Claro que estou me lembrando de você!

Você não quer magoá-lo, é isso! Há provas estatísticas de que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:

- Há quanto tempo!

Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desafiará.

- Então me diga quem eu sou.

Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco e esperar, falsamente desacordado, que a ambulancia venha salvá-lo. Mas ele pode ser misericordioso e dizer apenas:

- Pois é.

Ou:

- Bota tempo nisso.

Você ganhou tempo para pesquisar melhor a memória. Quem é esse cara, meu Deus? Enquanto resgata caixotes com fichas antigas no meio da poeira e das teias de aranha do fundo do cérebro, o mantém distancia com frases neutras como jabs verbais.

- Como cê tem passado?

- Bem, bem.

- Parece mentira.

- Puxa.

(Um colega da escola. Do serviço militar. Será um parente? Quem é esse cara, meu Deus?)

Ele está falando:

- Pensei que você não fosse me reconhecer...

- O que é isso?!

- Não, porque a gente às vezes se decepciona com as pessoas.

- E eu ia esquecer você? Logo você?

- As pessoas mudam. Sei lá.

- Que idéia!

(É o Ademar! Não, o Ademar já morreu. Você foi ao enterro dele. O... o... como era o nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna mecânica? Você pode chutá-lo, amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas. "Que bom encontrar você!" e paf, chuta uma perna. "Que saudade!" e paf, chuta a outra. Quem é esse cara?)

- É incrível como a gente perde contato.

- É mesmo.

Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.

- Cê tem visto alguém da velha turma?

- Só o Pontes.

- Velho Pontes!

(Pontes. Você conhece algum Pontes? Pelo menos agora tem um nome com o qual trabalhar. Uma segunda ficha para localizar no sótão. Pontes, Pontes...)

- Lembra do Croarê?

- Claro!

- Esse eu também encontro, às vezes, no tiro ao alvo.

- Velho Croarê!

(Croarê. Tiro ao alvo. Você não conhece nenhum Croarê e nunca fez tiro ao alvo. É inútil. As pistas não estão ajudando. Você decide esquecer toda a cautela e partir para um lance decisivo. Um lance de desespero. O último, antes de apelar para o enfarte.)

- Rezende...

- Quem?

Não é ele. Pelo menos isto está esclarecido.

- Não tinha um Rezende na turma?

- Não me lembro.

- Devo estar confundindo.

Silêncio. Você sente que está prestes a ser desmascarado.

Ele fala:

- Sabe que a Ritinha casou?

- Não!

- Casou.

- Com quem?

- Acho que você não conheceu. O Bituca.

Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. Já que o vexame é inevitável, que ele seja total, arrasador. Você está tomado por uma espécie de euforia terminal. De delírio do abismo. Como que não conhece o Bituca?

- Claro que conheci! Velho Bituca...

- Pois casaram.

É a sua chance. É a saída. Você passa ao ataque.

- E não avisaram nada?!

- Bem...

- Não. Espera um pouquinho. Todas essas coisas acontecendo a Ritinha casando com o Bituca, o Croarê dando tiro, e ninguém me avisa nada?!

- É que a gente perdeu contato e...

- Mas o meu nome está na lista, meu querido. Era só dar um telefonema. Mandar um convite.

- É...

- E você ainda achava que eu não ia reconhecer você. VOCÊS que se esqueceram de mim!

- Desculpe, Edgar. É que...

- Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam...

(Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele confundiu você com outro. Ele também não tem a mínima idéia de quem você é. O melhor é acabar logo com isso. Aproveitar que ele está na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de "Já?!".)

- Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?

- Certo, Edgar. E desculpe, hein?

- O que é isso? Precisamos nos ver mais seguido.

- Isso.

- Reunir a velha turma.

- Certo.

- E olha, quando falar com a Ritinha e o Mutuca...

- Bituca.

- E o Bituca, diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?

- Tchau, Edgar!

Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer "Grande Edgar". Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez se alguém lhe perguntar "Você está me reconhecendo?" não dirá nem não. Sairá correndo.

Luis Fernando Veríssimo

27 outubro 2008

Sexo e Amor


O amor sonha com a pureza.
Sexo precisa do pecado.
O amor é sonho dos solteiros.
Sexo é sonho dos casados.
Arnaldo Jabor

26 outubro 2008

Com que pernas?

Para roubar um coração

Para se roubar um coração, é preciso que seja com muita habilidade,

tem que ser vagarosamente, disfarçadamente,

não se chega com ímpeto,

não se alcança o coração de alguém com pressa.

Tem que se aproximar com meias palavras,

suavemente,

apoderar-se dele aos poucos,

com cuidado.

Não se pode deixar que percebam que ele será roubado,

na verdade, teremos que furtá-lo, docemente.

Conquistar um coração de verdade dá trabalho,

requer paciência,

é como se fosse tecer uma colcha de retalhos,

aplicar uma renda em um vestido,

tratar de um jardim, cuidar de uma criança.

É necessário que seja com destreza, com vontade,

com encanto, carinho e sinceridade.

Para se conquistar um coração definitivamente

tem que ter garra e esperteza,

mas não falo dessa esperteza que todos conhecem,

falo da esperteza de sentimentos,

daquela que existe guardada na alma em todos os momentos.

Quando se deseja realmente conquistar um coração,

é preciso que antes já tenhamos conseguido conquistar o nosso,

é preciso que ele já tenha sido explorado nos mínimos detalhes,

que já se tenha conseguido conhecer cada cantinho, entender cada espaço preenchido e aceitar cada espaço vago.

...e então, quando finalmente o outro coração for conquistado,

quando tivermos nos apoderado dele,

vai existir uma parte de alguém que seguirá conosco.

Uma metade de alguém que será guiada por nós

e o nosso coração passará a bater por conta desse outro coração.

25 outubro 2008

As Mentiras que os Homens Contam

Nós nunca mentimos. Quando mentimos, é para o bem de vocês. Verdade. Começa na infância, quando a gente diz para a mãe que está sentindo uma coisa estranha, bem aqui, e não pode ir à aula sob pena de morrer no caminho. Se fôssemos sinceros e disséssemos que não tínhamos feito a lição de casa e por isso não podíamos enfrentar a professora a mãe teria uma grande decepção. Assim, lhe dávamos a alegria de se preocupar conosco, que é a coisa que mãe mais gosta, e a poupávamos de descobrir a nossa falta de caráter. Melhor um doente do que um vagabundo. E se ela não acreditasse, e nos mandasse ir à escola de qualquer jeito, ainda tínhamos um trunfo sentimental. "Então vou ter que inventar uma história para a professora", querendo dizer vou ter que mentir para outra mulher como se ela fosse você. "Está bem, fica em casa estudando!" E ficávamos em casa, fazendo tudo menos estudar, dando-lhe todas as razões para dizer que não nos agüentava mais, que é outra coisa que mãe também adora.
A primeira namorada. Mentíamos para preservar nosso orgulho, certo?
- Não, não, eu estava passando por acaso. Você acha que eu fico rondando a sua casa o dia inteiro, é?
Mas o que vocês pensariam se nós disséssemos: "Sim, sim, não posso ficar longe de você, penso em você o dia inteiro, aqueles telefonemas que você atende e ninguém fala, sou eu! Confesso, sou eu! Vamos nos casar! Eu sei que eu só tenho 12 anos e você tem 11, mas temos que nos casar! Senão eu morro. Senão eu morro!"? Vocês se assustariam, claro. A paixão nessa idade pode ser um sumidouro. Mentíamos para nos proteger do sumidouro.
Outras namoradas. Outras mentiras.
- Eu só quero ver, juro. Não vou tocar.
Vocês não queriam ser tocadas, mas ao mesmo tempo se decepcionariam se a gente nem tentasse. Nem desse a vocês a oportunidade de afastar a nossa mão, indignadas. Ou de descobrir como era ser tocada.
Namorar - pelo menos no meu tempo, a Renascença - era uma lenta conquista de territórios hostis, como a dos desbravadores do Novo Mundo. Avançávamos no desconhecido, centímetro a centímetro, mentira a mentira.
- Pode, mas só até aqui.
- Está bem. Não passo daí.
- Jura?
- Juro.
- Você passou! Você mentiu!
- Me distraí!
Dávamos a vocês todos os álibis, todas as oportunidades para dizer depois que tudo acontecera devido à nossa calhordice e não à vontade que vocês também sentiam. Não mentíamos para vocês, mentíamos por vocês. Os verdadeiros cavalheiros eram os que enganavam as mulheres. Os calhordas diziam, abjetamente, a verdade. Não faziam o que juravam que não iam fazer, transferindo toda a iniciativa a vocês. É ou não é?
Mas isso tudo mudou, desgraçadamente bem quando eu deixei para trás as tentações do mundo e entrei para uma ordem (a dos monógamos). A revolução sexual, que um dia ainda vai ser comemorada como a Revolução Francesa, com a invenção da pílula anticoncepcional correspondendo à queda da Bastilha e o fim dos sutiãs ao fim da monarquia - e o termo sans culotte, claro, adquirindo novo significado - tornou o relacionamento entre homens e mulheres mais franco e desobrigou os homens de mentir para as mulheres para salvar a honra delas. Aliás, dizem que a coisa virou de tal maneira que hoje a mentira mais comum dita pelos homens é "Esta noite não, querida, estou com dor de cabeça". Não sei. Mas continuamos mentindo a vocês para o bem de vocês.
"Rmmwlmnswl" não significa que nós estamos fingindo dormir com medo de ir ver que barulho é aquele na sala. Significa que estamos fingindo dormir para que você vá ver com seus próprios olhos que não é nada e pare com esses temores ridículos, e se for mesmo ladrão nos avise a tempo de pular pela janela.
"Fiquei fazendo companhia ao Almeidinha, coitado, ele ainda não se refez" significa que a nova gata do Almeidinha só saía com ele se ele conseguisse um par para a prima dela, e nós fazemos tudo por um amigo, mas não queremos estragar a ilusão de vocês de que a separação deixou o Almeidinha arrasado, como ele merecia.
"Está quase igual ao da mamãe" significa que não chega aos pés do que a mamãe fazia, ou então que está muito melhor, mas que o importante é vocês não se sentirem nem tão ressentidas que decidam atirar o doce na nossa cabeça e depois se arrependam, nem tão confiantes que parem de tentar ser iguais à mamãe, e no dia que a gente disser que está sentindo uma coisa estranha bem aqui, só para não ir trabalhar e ficar vendo o programa da Xuxa, vocês não digam "Comigo essa não pega" e nos botem para a rua.
Luis Fernando Veríssimo

24 outubro 2008

Vestígios de Realidade


Parte I


Parte II


Parte III

"De tanto querer nos vender a felicidade, a publicidade acaba fabricando legiões de frustrados. De tanto provocar desejos que derivam em decepção, a publicidade perde o objetivo e dá origem a deprimidos e delinqüentes. De tanto serem seduzidos da manhã à noite, aqueles que dão um duro danado para equilibrar o orçamento no fim do mês, os que ganham pouco, os salários-mínimos, os empregados ameaçados, acabam por ser alijados da sociedade. Fracassados. A publicidade não vende felicidade, ela gera depressão e angústia. Cólera e frustração."

Oliveiro Toscani – A Publicidade é um Cadáver que nos Sorri

13 outubro 2008

Solidão

Macondo já era um pavoroso rodamoinho de poeira e escombros, centrifugado pela cólera do furacão bíblico, quando Aureliano pulou onze páginas para não perder tempo com fatos conhecidos demais e começou a decifrar o instante que estava vivendo, decifrando-o à medida que o vivia, profetizando-se a si mesmo no ato de decifrar a última página dos pergaminhos, como se estivesse vendo a si mesmo num espelho falado. Então deu Outro salto para se antecipar às predições e averiguar a data e as circunstâncias da sua morte. Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra.

Gabriel Garcia Márquez - Cien Años de Soledad

Não pensar

Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência, não pensar...

Fernando Pessoa

11 outubro 2008

Ao órgão responsável

Tenho notado você olhando torto para mim. Às vezes, basta eu chegar e você se levanta. Por acaso, você tem algum problema pendente comigo?
O fato de nós estarmos em lados opostos não nos faz inimigos. Ao contrário, guardo um espaço especial para você, dentro de mim, e seria ótimo se pudéssemos nos unir em prol de algumas novas conquistas. Os atritos, como em qualquer relação, são normais e bem-vindos.
Você me acusa de ser difícil, mas não conheço personalidade mais instável que a sua. Quando eu quero conversar, você se recolhe. Quando canso de tentar, você se anima. Quando finalmente penso entender aonde você quer chegar, você se coloca numa posição diferente.
Sei que a vida talvez lhe pareça mais dura, já que é de você que são cobrados rendimento e desempenho. Mas o mundo não gira em torno da sua existência como você pensa. Diria até que, nas horas mais tensas, você sempre dá um jeito de ficar de fora. Até no momento em que sua participação se faz mais necessária, a continuidade da espécie, você se limita a entrar com metade da matéria-prima e deixa o resto para lá.
Dizem que eu tenho inveja de você - mas inveja de quê, afinal? Você, desculpe, está longe de ser bonito. Trabalha num ramo de atividade sem o mínimo charme: a remoção de detritos. Mora num lugar abafado, onde o sol nunca bate. Freqüenta locais escusos, de reputação duvidosa, em busca de um tipo de divertimento que já se encontra à mão, em sua própria casa. E aquele seu melhor amigo, convenhamos, é um saco.
Mesmo assim, quero frisar, tenho por você imensa consideração e simpatia. Mais que isso - sempre busquei a sua aprovação de alguma forma, atrás de sinais de que estaria lhe agradando. Você, por sua vez, nem sequer disfarça seu completo egocentrismo. Fazendo-se de sonso e sumindo após satisfazer as suas necessidades.
Você se diz sensível, porém jamais se preocupa com o que o outro está sentindo. Quer apenas ocupar o seu espaço e atingir as suas mesmas velhas metas de crescimento. Deveria tentar aumentar suas expectativas, ampliar seus horizontes, investir na sua cultura. Qual foi a última vez que você viu um filme decente?
Sei que dificilmente vou conseguir abalar sua enorme auto-estima, mas, sob o meu ponto de vista, você não passa de um solitário, perdido em sonhos impossíveis e cercado por uma situação bastante enrolada. Acha-se o máximo, superextrovertido e revela-se um bobo alegre com pinta de seboso. Um cabisbaixo baixinho carente, o tempo todo em busca de qualquer carinho.
Disponho-me a ajudá-lo, colega, caso você reconheça seus defeitos e fraquezas. Posso até te indicar um bom analista. Somente recuso-me a continuar a ser cúmplice na perpetuação de um equívoco.
Você não é melhor que ninguém, temos o mesmo tamanho nesta história - de fato, se você cabe em mim, sou necessariamente maior do que você.
Fernanda Young

10 outubro 2008

A Felicidade

"A felicidade é como a gota de orvalho em uma pétala de flor.
Brilha tranqüila,
depois de leve oscila,
e cai como uma lágrima de amor."

08 outubro 2008

Saudade

Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida.

Clarice Lispector

07 outubro 2008

Princípio 90/10

Os 10% da vida estão relacionados com o que se passa com você, os outros 90% da vida estão relacionados com a forma como você reage ao que se passa com você.

O que isto quer dizer? Realmente, nós não temos controle sobre 10% do que nos sucede. não podemos evitar que o carro enguice, que o avião atrase, que o semáforo fique no vermelho. Mas, você é quem determinará os outros 90%. Como? Com sua reação.

Exemplo: você está tomando o café da manhã com sua família. Sua Filha, ao pegar a xícara, deixa o café cair na sua camisa branca de trabalho. Você não tem controle sobre isto. O que acontecerá em seguida será determinado por sua reação.

Então, você se irrita. Repreende severamente sua filha e ela começa a chorar. Você censura sua esposa por ter colocado a xícara muito na beirada da mesa. E tem prosseguimento uma batalha verbal. Contrariado e resmungando, você vai mudar de camisa. Quando volta, encontra sua filha chorando mais ainda e ela acaba perdendo o ônibus para a escola. Sua esposa vai pro trabalho, também contrariada. Você tem de levar sua filha, de carro, pra escola. Como está atrasado, dirige em alta velocidade e é multado. Depois de 15 min. de atraso, uma discussão com o guarda de trânsito e uma multa, vocês chegam à escola, onde sua filha entra, sem se despedir de você. Ao chegar atrasado ao escritório, você percebe que esqueceu sua maleta. Seu dia começou mal e parece que ficará pior. Você fica ansioso pro dia acabar e quando chega em casa, sua esposa e filha estão de cara fechada, em silêncio e frias com você.

Por quê? Por causa de sua reação ao acontecido no café da manhã. Pense: por que seu dia foi péssimo? A) por causa do café? B) por causa de sua filha? C) por causa de sua esposa? D) por causa da multa de trânsito? E) por sua causa?

A resposta correta é a E. Você não teve controle sobre o que aconteceu com o café, mas o modo como você reagiu naqueles 5 minutos foi o que deixou seu dia ruim.

O café cai na sua camisa. Sua filha começa a chorar. Então, você diz a ela, gentilmente: “está bem, querida, você só precisa ter mais cuidado”. Depois de pegar outra camisa e a pasta executiva, você volta, olha pela janela e vê sua filha pegando o ônibus. Dá um sorriso e ela retribui, dando adeus com a mão.

Notou a diferença? Duas situações equivalentes, que terminam muito diferente. Por quê? Porque os outros 90% são determinados por sua reação. Aqui temos um exemplo de como aplicar o Princípio 90/10. Se alguém diz algo negativo sobre você, não leve a sério, não deixe que os comentários negativos te afetem. Reaja apropriadamente e seu dia não ficará arruinado. Como reagir a alguém que te atrapalha no trânsito? Você fica transtornado? Golpeia o volante? Xinga? Sua pressão sobe? O que acontece se você perder o emprego? Por que perder o sono e ficar tão chateado? Isto não funcionará. Use a energia da preocupação para procurar outro trabalho. Seu vôo está atrasado, vai atrapalhar a sua programação do dia. Por que manifestar frustração com o funcionário do aeroporto? Ele não pode fazer nada. Use seu tempo para estudar, conhecer os outros passageiros. Estressar-se só piora as coisas.

Agora que você já conhece o Princípio 90/10, utilize-o. Os nervosos sempre são as pessoas que têm stress, sofrimentos, problemas e dores de cabeça causados pela forma como reagem aos problemas. Mas as dificuldades fazem parte da vida de todos, por isso devemos aprender esse princípio para viver melhor.

Stephen Covey

04 outubro 2008

Tempo perdido

Mas quando se viram sozinhos na casa sucumbiram no lírio dos amores atrasados. Era uma paixão insensata, alucinada, que fazia tremerem de pavor na cova os ossos de Fernanda e os mantinha num estado de excitação perpétua. Os gemidos de Amaranta Úrsula, as suas canções agônicas, estavam do mesmo jeito às duas da tarde na mesa da sala de estar e às duas da madrugada na despensa. “O que mais me aborrece”, ria, “é o tempo enorme que perdemos.” No aturdimento da paixão, viu as formigas devastando o jardim, saciando a sua fome pré-histórica nas madeiras da casa, e viu a torrente de lava viva se apoderando outra vez da varanda, só se preocupou em combatê-la quando a encontrou no quarto. Aureliano abandonou os pergaminhos, não tornou a sair de casa, e respondia de qualquer maneira às cartas sábio catalão. Perderam o sentido da realidade, a noção tempo, o ritmo dos hábitos cotidianos. Tornaram a fechar portas e janelas para não demorarem nos trâmites de desnudamento, e andavam pela casa como Remedios, a bela, sempre quis estar, e se espojavam em pêlo nos barreiros do quintal, e uma tarde por pouco não se afogaram quando se amavam na caixa-d’água. Em pouco tempo fizeram mais que as formigas ruivas: quebraram os móveis da sala, rasgaram com as suas loucuras a rede que resistira aos tristes amores de acampamento do Coronel Aureliano Buendía e abriram os colchões e os esvaziaram no chão, para se sufocar em tempestades de algodão. Embora Aureliano fosse um amante tão feroz como o seu rival, era Amaranta Úrsula quem comandava com o seu engenho disparatado e a sua voracidade lírica aquele paraíso de desastres, como se tivesse concentrado no amor a indomável energia que a tataravó consagrara à fabricação de animaizinhos de caramelo. Além disso, enquanto ela cantava de alegria e morria de rir das suas próprias invenções, Aureliano ia se tornando mais absorto e calado, porque a sua paixão era ensimesmada e calcinante. Entretanto, ambos chegaram a tais extremos de virtuosismo que quando se esgotavam na exaltação tiravam melhor partido do cansaço. Entregaram-se à idolatria dos corpos, ao descobrir que os tédios do amor tinham possibilidades inexploradas, muito mais ricas que as do desejo.

Gabriel Garcia Márquez - Cien Años de Soledad

01 outubro 2008

Vácuo da Existência

Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos,

E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício.

A minha vida passada misturou-se com a futura,

E houve no meio um ruído do salão de fumo,

Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez.

Ah, balouçado

Na sensação das ondas,

Ah, embalado

Na idéia tão confortável de hoje ainda não ser amanhã,

De pelo menos neste momento não ter responsabilidades nenhumas,

De não ter personalidade propriamente, mas sentir-me ali,

Em cima da cadeira como um livro que a sueca ali deixasse.

Ah, afundado

Num torpor da imaginação, sem dúvida um pouco sono,

Irrequieto tão sossegadamente,

Tão análogo de repente à criança que fui outrora

Quando brincava na quinta e não sabia álgebra,

Nem as outras álgebras com x e y's de sentimento.

Ah, todo eu anseio

Por esse momento sem importância nenhuma

Na minha vida,

Ah, todo eu anseio por esse momento, como por outros análogos:

Aqueles momentos em que não tive importância nenhuma,

Aqueles em que compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência para o compreender

E havia luar e mar e a solidão, ó Álvaro.

Fernando Pessoa – (Álvaro de Campos)