05 outubro 2009

Paciência e bom sexo, não necessariamente nessa ordem

Paciência e bom sexo. Esta é a receita de um casamento longo. Quem disse isso foi o americano Gay Talese, 77 anos, o jornalista mestre dos jornalistas, em entrevista recente. Talese inspirou a minha geração de repórteres a escrever sobre gente. Seu próximo livro será sobre os 50 anos de convívio com a mulher. Meio século de casamento e ainda apaixonados? Achei o máximo seu poder de concisão numa matéria em que o protagonista é ele próprio. Pensei: não pode ser tão simples, há outros segredos nesse coquetel de felizes para sempre. O humor. A admiração mútua. A cumplicidade. O respeito. A identificação. Gostos parecidos. Torcer pelo mesmo time de futebol.

Essa história de que “os opostos se atraem” só faz sentido em aula de Física ou em namoro-relâmpago aos 19 anos. A vida depois ensina que o amor é um espelho. Mesmo que fique um pouco turvo. Porque negociar e fazer concessões o tempo todo deve ser um porre. Igual a comprar tapetes no Marrocos. Barganha daqui e dali e todos se sentem meio ludibriados.

No fundo, Talese está certo. Se eu tivesse que escolher apenas dois segredos para manter um bom casamento, acho que seriam mesmo “paciência e bom sexo”. Sem bom sexo, a paciência é missão impossível. Já experimentou os efeitos do jejum continuado ou da frustração na cama? Alguém consegue ser paciente com o inferno do outro se não existir bom sexo? Por algum tempo, talvez. E sem paciência, o sexo ficará cada vez pior e mais raro. É possível sentir tesão por alguém que só reclama e se irrita? Sem paciência e bom sexo, ahá: lá vêm elas, as cobranças. O diálogo de surdos. O resto todos sabem. É inacreditável o número de casais que trocam farpas e ironias publicamente.

Eu e o casamento não fomos feitos um para o outro. Agora, comprovei, definitivamente. Posso contar nos dedos de uma mão o número de casamentos a que eu fui. No último domingo, eu estava preparada psicologicamente para ir ao casamento de uma grande amiga. Ou imaginava estar. Até comprei vestido. À noite, ao pedir carona a um amigo, ele me disse incrédulo: “Ruth, o casamento foi às 13h”. Que vergonha. Mas tem lógica. Eu jamais casei oficialmente, por opção. Por isso os casamentos me parecem cerimônias de ficção. Não quero dizer que não acredito no amor sincero e no companheirismo ou na vontade de construir projetos comuns. Vivi tudo isso intensamente com dois ex, e com cada um tive um filho. Hoje, não “moro” mais, só namoro – o mesmo há 18 anos. Cada um tem sua casa. Eu acharia difícil não ter um amor, um parceiro para dividir a vida. Não seria feliz sozinha.

Há 47 milhões de adultos solteiros no Brasil, homens e mulheres. É muita gente. Não sei quantos deles estão sós ou apenas solteiros. Solidão não faz bem.

Gay e Nan Talese passaram por algumas tormentas, como todos os casais. A maior foi quando ele escreveu o livro A Mulher do Próximo (1980), sobre a revolução sexual americana. Foi um escândalo na época. Talese foi cliente de casas de massagem, e participou de campos de nudismo. Não levava crachá de jornalista. Desconfio que o mais paciente do casal tenha sido a mulher dele, que é editora de livros. Ela está sendo entrevistada por repórteres para dar sua versão sobre o casamento com Talese. Não sei o que eu acharia de um marido que dissesse o seguinte: “Minha mulher sempre foi muito reservada. Quem participou dos escândalos fui eu. Ela sempre reagiu com muita dignidade. Eu diria que Nan foi a Hillary Clinton da minha vida: ela sempre reagiu a tudo com altivez”.

Conheço vários casais nessa mesma linha clintoniana. “Deram certo” porque a mulher foi muito digna. Isso significa que o casamento sobreviveu às estripulias do marido, graças à paciência dela… e ao bom sexo dele. Talese disse que seu casamento é uma história de amor e ódio, paixão e raiva, e enche a bola da mulher com quem teve duas filhas: “Ela continua uma amante espetacular”.
Ruth de Aquino - Clunas Época

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