31 dezembro 2008

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E — ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...
Mário Quintana

30 dezembro 2008

Tempo

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente."
Carlos Drummond de Andrade

26 dezembro 2008

O Lobo do homem


Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.
Clarice Lispector - Felicidade Clandestina, no conto Os desastres de Sofia

25 dezembro 2008

Natal

Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento

Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento

És meu irmão amigo
És meu irmão


E tu que dormes só no pesadelo do ciúme

Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume

E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão


Natal é em Dezembro

Mas em Maio pode ser

Natal é em Setembro

É quando um homem quiser

Natal é quando nasce uma vida a amanhecer

Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher


Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo

És meu irmão


E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão
Ary dos Santos
- “Quando um Homem Quiser”


O Deus de cada um

É verdade: amamos a vida não porque estejamos habituados à vida, mas ao amor. Há sempre o seu quê de loucura no amor; mas também há sempre o seu quê de razão na loucura.
E eu, que estou bem com a vida, creio que para saber de felicidade não há como as borboletas e as bolhas de sabão, e o que se lhes assemelhe entre os homens. Ver revolutear essas almas aladas e loucas, encantadoras e buliçosas, é o que arranca a Zaratustra lágrimas e canções.
Eu só poderia crer num Deus que soubesse dançar. E quando vi o meu demônio, pareceu-me sério, grave, profundo e solene: era o espírito do pesadelo. Por ele caem todas as coisas. Não é com cólera, mas com riso que se mata. Adiante! matemos o espírito do pesadelo!
Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar; por conseguinte não quero que me empurrem para mudar de lugar. Agora sou leve, agora vôo; agora vejo por baixo de mim mesmo, agora salta em mim um Deus. Assim falou Zaratustra.
Nietzsche

23 dezembro 2008

Borboleta pequenina

Borboletas são tão belas; o que seria delas
se não pudessem voar?
O céu e as estrelas não poderiam vê-las passar
Lá fora eu vejo um mundo
E sinto lá no fundo
Que aqui não é o meu lugar
Eu sou pequenininha, e fico aqui sozinha a sonhar
O meu coração me diz
Que um dia ainda vou ser feliz
Voar para bem longe como eu sempre quis
Um dia eu tive a chance, de ter ao meu alcance
O que fez transformar
Sonho em realidade, escuridão em brilho no olhar
Eu vi que na verdade
A dor um dia pode ter fim
Achei a liberdade, ela tava dentro de mim
O meu coração me diz
Agora eu já sou feliz
Voei para bem longe, como eu sempre quis.
Luciana Mello

20 dezembro 2008

Criamos idéias. Criamos saúde ou tristeza...

Somos as únicas criaturas na face da terra capazes de mudar nossa biologia pelo que pensamos e sentimos!
Nossas células estão constantemente bisbilhotando nossos pensamentos e sendo modificados por eles. Um surto de depressão pode arrasar seu sistema imunológico; apaixonar-se, ao contrário, pode fortificá-lo tremendamente.
A alegria e a realização nos mantém saudáveis e prolongam a vida.
A recordação de uma situação estressante, que não passa de um fio de pensamento, libera o mesmo fluxo de hormônios destrutivos que o estresse propriamente dito!
Suas células estão constantemente processando as experiências e metabolizando-as de acordo com seus pontos de vista pessoais. Não se pode simplesmente captar dados brutos e carimbá-los com um julgamento. Você se transforma na interpretação quando a internaliza.
(...)
Todo este perfil bioquímico será drasticamente alterado quando a pessoa encontra uma nova posição. Isto reforça a grande necessidade de usar nossa consciência para criar os corpos que realmente desejamos. A ansiedade por causa de um exame acaba passando, assim como a depressão por causa de um emprego perdido. O processo de envelhecimento, contudo, tem que ser combatido a cada dia!
Shakespeare não estava sendo metafórico quando Próspero disse: "Nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos".
Você quer saber como está seu corpo hoje?
Lembre de seus pensamentos de ontem.
Quer saber como estará seu corpo amanhã?
Olhe seus pensamentos hoje!
Deepak Chopra - Os Mutantes

16 dezembro 2008

Pecado

Não existe pecado do lado de baixo do equador
Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor
Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho
Um riacho de amor
Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo
Que eu sou professor

Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se me usa, me abusa, lambuza
Que a tua cafuza
Não pode esperar
Deixa a tristeza pra lá, vem comer, me jantar
Sarapatel, caruru, tucupi, tacacá
Vê se esgota, me bota na mesa
Que a tua holandesa
Não pode esperar
Chico Buarque de Holanda - Não existe pecado

13 dezembro 2008

Deus lhe pague!

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer, e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague

Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair
Deus lhe pague

Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi
Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair
Deus lhe pague

Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir
Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague
Chico Buarque de Holanda

10 dezembro 2008

60 Anos da Declaração dos Direitos do ser Humano



Hoje é o aniversário de 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos. Por isso vamos tentar lembrar de algumas questões positivas que aconteceram no Brasil a partir deste evento de 1948.

Não precisamos ir longe ao tempo. A ditadura militar no Brasil tomou mais de 20 anos da nossa história – do ano do golpe de 1964 até a Anistia, que veio em 1985. Ao fim desse período, a imagem da campanha “Diretas já” trouxe, indubitavelmente, um espírito de otimismo. Percepção que também vale quando a memória nos remete aos protestos dos “caras-pintadas” no processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, à estabilização de nossa moeda e ao acesso a bens de consumo por parte da população mais carente.

Até nos recentes episódios de escândalos de corrupção revelados pela imprensa nacional, percebeu-se uma evolução. O Brasil tem, com mais clareza e propriedade, a noção da garantia do direito à liberdade de opinião e expressão, previsto no artigo XIX da Declaração dos Direitos Humanos.

O Brasil fortaleceu-se também com a criação, nesse período, de muitas ONGs, movimentos e campanhas em prol das mais variadas categorias de minorias ou camadas mais carentes da população. Mais importante do que as ações, foi a adesão maciça dos brasileiros, que, surpreendentemente, demonstraram um visível perfil social e o comprometimento com o próximo.

Espera-se que, com magistrados, advogados, promotores de Justiça, delegados, policiais militares e cidadãos cada vez melhor formados e instruídos, os responsáveis por qualquer tipo de crime contra os Direitos Humanos sejam punidos e que, cada vez mais, com o auxílio do trabalho da Anistia Internacional, forme-se uma comunidade global focada na igualdade de direitos e liberdade de cada ser humano.

Busca-se a justiça e a igualdade. Uma tarefa árdua que, além do governo, envolve também todos os cidadãos. Reflitamos juntos sobre os 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos: faça, por menor que seja, um ato que venha ao encontro dos seus preceitos. Quem sabe a idéia se dissemine e o respeito ao ser humano passe a ser regra.

Se não chegarmos ao ideal, certamente chegaremos mais além do que teríamos ido sem nosso esforço.

Roberto Portugal Bacellar

Fazer valer a pena

As vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.

Fernando Pessoa

08 dezembro 2008

O desafio

Num artigo anterior afirmávamos que a atual crise mais que econômico-financeira é uma crise de humanidade. Atingiram-se os fundamentos que sustentam a sociabilidade humana – a confiança, a verdade e a cooperação - destruídos pela voracidade do capital. Sem eles é impossível a política e a economia. Irrompe a barbárie. Queremos levar avante esta reflexão de cariz filosófico, inspirados em dois notáveis pensadores: Karl Marx e Max Horkheimer. Este último foi proeminente figura da escola de Frankfurt ao lado de Adorno e Habermas. Antes mesmo do fim da guerra, em 1944, teve a coragem de dizer, em palestras na Universidade de Colúmbia nos EUA, publicadas sob o titulo Eclipse da Razão (no Brasil 1976) que pouco adiantava a vitória iminente dos aliados. O motivo principal que gerou a guerra continuava atuante no bojo da cultura dominante. Seria o seqüestro da razão para o mundo da técnica e da produção, portanto, para o mundo dos meios, esquecendo totalmente a discussão dos fins. Quer dizer, o ser humano já não se pergunta por um sentido mais alto da vida. Viver é produzir sem fim e consumir o mais que pode. É um propósito meramente material, sem qualquer grandeza. A razão foi usada para operacionalizar esta voracidade. Ao submeter-se, ela se obscureceu deixando de colocar as questões que ela sempre colocou: que sentido tem a vida e o universo, qual é o nosso lugar? Sem estas respostas só nos resta a vontade de poder que leva à guerra como na Europa de Hitler.

Algo semelhante dizia Marx no terceiro livro do Capital. Ai deixa claro que o ponto de partida e de chegada do capital é o próprio capital em sua vontade ilimitada de acumulação. Ele visa o aumento sem fim da produção, para a produção e pela própria produção, associada ao consumo, em vista do desenvolvimento de todas as forças produtivas. É o império dos meios sem discutir os fins e qual o sentido deste tresloucado processo. Ora, são os fins humanitários que sustentam a sociedade e conferem propósito à vida. Bem o expressou o nosso economista-pensador Celso Furtado:"O desafio que se coloca no umbral do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização, deslocar o eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em função do bem estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos”(Brasil: a construção interrompida,1993,76).

Não foi isso que os ideólogos do neo-liberalismo, da desregulação da economia e do laissez-faire dos mercados nos aconselharam. Eles mentiram para toda a humanidade, prometendo-lhe o melhor dos mundos. Para essa via não existiam alternativas, diziam. Tudo isso foi agora desmascarado, gerando uma crise que vai ficar ainda pior.

A razão reside no fato de que a atual crise se instaurou no seio de outras crises ainda mais graves: a do aquecimento global que vai produzir dimensões catastróficas para milhões da humanidade e a da insustentabilidade da Terra em conseqüência da virulência produtivista e consumista. Precisamos de um terço a mais de Terra. Quer dizer, a Terra já passou em 30% sua capacidade de reposição. Ela não agüenta mais o crescimento da produção e do consumo atuais como é proposto para cada pais. Ela vai se defender produzindo caos, não criativo, mas destrutivo.

Aqui reside o limite do capital: o limite da Terra. Isso não existia na crise de 1929. Dava-se por descontada a capacidade de suporte da Terra. Hoje não: se não salvarmos a sustentabilidade da Terra, não haverá base para o projeto do capital em seu propósito de crescimento. Depois de haver precarizado o trabalho, substituindo-o pela máquina, está agora liquidando com a natureza.

Estas ponderações aparecem raramente no atual debate. Predomina o tema da extensão da crise, dos índices da recessão e do nível de desemprego. Neste campo os piores conselheiros são os economistas, especialmente os ministros da Fazenda. Eles são reféns de um tipo de razão que os cega para estas questões vitais. Há que se ouvir os pensadores e os que ainda amam a vida e cuidam da Terra.
Leonardo Boff

A TV é o seu evangelho


Edward George Ruddy morreu hoje!

Edward George Ruddy era o manda-chuva da cúpula da União dos Sistemas Televisivos, e ele morreu hoje às 11 horas da manhã de ataque cardíaco.
E "ai" pra nós! Estamos encrencados agora!
Mas, qual é o problema? Afinal, um velho rico baixinho de cabelo branco morreu. E daí? Que influência isso terá no preço do arroz, certo? E por que estaríamos em problemas?
Porque vocês, pessoas, e 62 milhões de outros americanos estão me ouvindo nesse exato instante.
Porque menos de 3% de vocês lêem livros.
Porque menos de 15% de vocês lêem jornais.
Porque a única verdade que vocês sabem é a que sai dessa caixa.

Nesse exato momento há uma geração inteira que nunca aprendeu nada que não tivesse saído dessa caixa! Essa caixa é seu evangelho. É a revelação máxima. Essa caixa pode fazer ou depor Presidentes, Papas e Primeiro-Ministros. Essa caixa é a maior força que existe em todo o mundo de Deus, e estamos ferrados se ela cair nas mãos de pessoas erradas! E é por isso que estamos encrencados, porque Edward George Ruddy morreu.

Porque essa emissora está agora nas mãos da CCA, a Corporação de Comunicação da América. Há um novo manda-chuva agora no comando dessa emissora, chamado de Frank Hackett sentando na cadeira da sala do Sr.Ruddy no 20º andar. E quando as 12 maiores empresas do mundo controlam a maior e mais fantástica máquina de propaganda do mundo inteiro de Deus, quem saberá que merda será negociada como sendo a verdade nessa emissora?

Então me escutem. Me escutem!
Televisão não é a verdade. Televisão é uma porcaria de um parque de diversões!
Televisão é um circo, um carnaval, um bando de acrobatas, contadores de estória, dançarinos, cantores, pilantras, montadores de shows de mentiras, domadores de leões e esportistas.
Estamos num negócio em que a única coisa que importa é matar o tédio.
Por isso, se vocês querem a verdade, procurem Deus.
Vão procurar seus gurus.
Procurem seus interiores!
Porque lá é o único lugar onde encontrarão alguma verdade.

Cara, você sabe que não conseguirá nenhum tipo de verdade de nós. Nós te contamos qualquer coisa que você quiser ouvir. E mentimos sem remorso.
Nós te dizemos que o Detetive sempre pega o assassino, e que ninguém nunca pega câncer na novela das cinco.
E não importa em quantos problemas o herói esteja, não se preocupe. Olhe bem para o seu relógio, quando tiver passado uma hora ele terá vencido! Nós te dizemos qualquer merda que você queira ouvir!
Nós vendemos ilusões. Mas não a verdade!

Mas vocês, pessoas, sentam na frente dela, dia após dia, noite após noite. Vocês são de todas as idades, cores e credos. Somos todos que vocês conhecem.
Vocês estão começando a acreditar até nas mentiras que estamos lhes dizendo nesse exato momento. Vocês estão começando a acreditar que a caixa é de verdade e que suas vidas são de mentira! Vocês fazem tudo que a caixa manda vocês fazerem! Vestem-se como ela manda, comem o que ela manda, criam suas crianças como ela quer e até pensam como a caixa!
Isso é uma alucinação coletiva em massa, seus maníacos!
Em nome de Deus, vocês pessoas é que são a realidade! Nós aqui dentro é que somos a ilusão!
Então desliguem a TV! Desliguem a TV agora mesmo!
Desliguem sua TV e deixem ela aí no canto da sala. Desliguem a TV no meio dessa frase que estou dizendo.

Desliguem!

Rede de Intrigas - Network (1976)

07 dezembro 2008

Conselho

Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança

Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar

Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade
Chico Buarque de Holanda

Sonho

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!
Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo!
E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!
E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...E não sou nada!...
Florbela Espanca - Vaidade

06 dezembro 2008

Amar e dormir

"Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto - uivaram os lobos e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir. "
Clarice Lispector, em Felicidade Clandestina - conto Os desastres de Sofia

04 dezembro 2008

É sempre amor

O Amor é uma merda! Se eu pudesse afastar de mim um sentimento humano, afastaria o Amor. Juro por tudo o que me é mais sagrado: se eu pudesse, pegava o Amor que há dentro de mim e jogava na lata do lixo.
Faria melhor: pegava o Amor que há em mim e trocava pelo equivalente em ódio, em ganância, em insensibilidade, em descrença ou em deboche. Assim eu estaria apto para o mundo moderno: homem pró-ativo e competitivo; máquina de ganhar e fazer dinheiro; homem de negócios, escusos ou lícitos, pouco importa. O Amor eu extirpava de mim, de vez por todas, pra sempre.
Se a Medicina permitisse, eu trocava o meu coração – símbolo do Amor – e botava no lugar dele mais um estômago, pra poder comer mais, coisa muito melhor. Se a Medicina permitisse, trocava o meu coração por cargas extras de testosterona (virilidade inacreditável e sobre-humana, conversão garantida em atleta sexual, coisa muito melhor).
Se pudesse afastar de mim um sentimento, afastaria o Amor, esta merda que só me faz sofrer. Foi assim, desde sempre; sofri sempre que amei. Uma, duas, três, incontáveis vezes, desde o dia em que senti no peito essa coisa desgraçada que é o Amor. O Amor é uma fraqueza, uma doença, é uma vergonha, uma praga. Minha desgraça foi nascer com esse defeito: o Amor.
Primeiro o Amor à Família: Avós, Pais, Irmãos, Tios, Primos e Sobrinhos. Amor dos grandes, Amor incondicional. Daí a morte – fim de quem vive – leva-nos os entes queridos, sem dó. Sabe lá o que é enterrar alguém que você ama, amigo? Sabe o que é ficar dias à beira de uma UTI, à espera de um milagre, e receber a notícia de que a morte, uma vez mais, levou consigo alguém que era tão nosso? E o peito aberto por uma chaga que nem o tempo é capaz de fechar. Isso é o Amor. O Amor é uma merda!
Depois vem o Amor às mulheres: amores platônicos, reais, possíveis, impossíveis, passageiros, infantis, amadurecidos. Meu primeiro Amor se chamava Pietra - atleticana, linda por sinal, com seus enormes olhos verdes - e nós só não casamos porque tínhamos cinco anos de idade, à época. Depois dela, houve outras: boas e más, lindas e feias, mais velhas e mais novas, atleticanas ou não.
Mulheres olham dentro dos olhos da gente e juram Amor pra vida inteira. De repente elas esquecem tudo, fica o dito pelo não dito, te trocam por um playboy filho da puta de 30 anos de idade, que vive às custas da família estudando pra fazer concurso público pra virar Juiz de Direito, e você só não morre de Amor porque aos 20 anos de idade o Amor arrebenta a gente, mas não mata. Isso é o Amor. O Amor é uma merda!
Há, também, o Amor por um time de futebol. Você lá, com seis anos de idade, vivendo seus dias de infância, na inocência de que tudo na vida vai ser pura alegria, até que ouve um nome mágico que toma de assalto a sua alma e que te absorve toda a atenção: CLUBE ATLÉTICO PARANAENSE!
Após o nome, vem a imagem representada pelo sagrado manto vermelho e preto. Ao fundo, você ouve: “Atlético, Atlético, conhecemos teu valor. E a camisa Rubro-Negra só se veste por Amor!”. E, sem saber o porquê, os pêlos do teu corpo ficam arrepiados e você cai num choro copioso que só acaba quando um adulto te diz: “Piá, esse teu choro é Amor!”. E você se torna Atleticano, de uma vez por todas e para sempre!
Tomado pelo Amor, você passa a viver a vida do seu time e, sobretudo, passa a viver pelo seu time. Chova ou faça sol; Baixada, Couto ou Pinheirão; Libertadores ou Segunda Divisão; Caçula & Biluca ou Assis & Washington; Vitórias ou Derrotas; na Saúde ou na Doença; nada disso tudo importa, afinal você é um ATLETICANO e vive pelo – e para – o Atlético!
Por ser ATLETICANO, você ama, e sofre, e chora, e mata pelo Atlético. Por ser ATLETICANO, você passa a viver em função do Atlético. Por ser ATLETICANO, você vira um doente cuja vida depende dos tubos e dos aparelhos a que está ligado. Você respira Atlético, alimenta-se de Atlético e dorme Atlético, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, pela vida inteira.
Sem o Atlético você morre e, se não morrer, perde grande parte da razão de estar vivo! Isso é o Amor, meu Amigo! Daí um leitor te manda um e-mail pedindo: “Rafael, escreva uma coluna para motivar o torcedor ATLETICANO a ir domingo à Arena apoiar o Atlético!”.
Eu, colunista obediente, escrevo esta coluna pra dizer que nasci predestinado ao Amor. O Amor é uma merda e por causa dele sofri mais do que um animal. Pelo Amor, diversas vezes “rastejei num chão coberto de giletes”, como diria Vinícius de Moraes, num de seus mais belos poemas.
Quem nasce predestinado ao Amor não escapa dele nunca, tampouco consegue retirar de si este sentimento ou trocá-lo por outro sentimento menos nobre. Quem nasce predestinado ao Amor ama e por isso chora as perdas dos entes queridos, chora a partida das mulheres e chora a derrota do seu time querido.
Quem nasce predestinado ao Amor ama e por isso ganha o prazer – imensurável, insubstituível e indescritível - de conviver com seus entes queridos, de amar as mulheres, de comemorar os triunfos do seu time querido e de viver, plenamente, como um homem, sem fugir das delícias e das derrotas que fazem parte da vida!
“Rafael, escreva uma coluna para motivar o torcedor ATLETICANO a ir domingo à Arena apoiar o Atlético!”.
Pois eu escrevo que a grande motivação para todo ATLETICANO ir à Arena no domingo está no simples fato de sermos ATLETICANOS, de reconhecermos no Atlético nosso Amor (na saúde e na doença), de reconhecermos no Atlético nossa razão de viver e de reconhecermos no Atlético nossa própria vida.
O Amor é uma merda? Que nada! O Amor é fundamental. Se eu pudesse exacerbar em mim um sentimento humano, faria crescer o Amor. Pegaria em mim o que há de ódio, de ganância, descrença e deboche e trocaria por Amor.
Iria além: se a Medicina permitisse, botava pra bater no meu peito outro coração, e ao Médico só faria uma exigência: “Doutor, bota pra bater no meu peito outro coração Rubro-Negro, daqueles bem ATLETICANOS, parecido com este velho coração que eu carrego há 33 anos – 26 dos quais dedicados ao Atlético – coração que já levou muita porrada, é verdade, mas que Ama o Atlético, incondicionalmente, desde 1982. E assim será até morte, fim de quem vive. Como deve ser!
Domingo, Arena da Baixada, 17 horas: Atlético em altas doses, pra quem tem coração Rubro-Negro e sangue forte. Estaremos lá.
Rafael Lemos

Curta a sua Vida!

Alguns ônibus de Londres poderão levar, a partir de janeiro, pôsteres com um slogan pouco comum: "There's probably no God. Now stop worrying and enjoy your life" ("Provavelmente, Deus não existe. Agora, páre de se preocupar e curta a sua vida", em tradução livre).

A campanha é da British Humanist Association (BHA, na sigla em inglês) e tem o apoio do acadêmico britânico Richard Dawkins, autor do livro "Deus, um delírio" e conhecido pelos seus documentários questionando o papel das religiões.

(...)

"Nós vemos tantos pôsteres divulgando a salvação através de Jesus ou nos ameaçando com condenação eterna, que eu tenho certeza que essa campanha será vista como um sopro de ar fresco", disse Hanne Stinson, presidente da BHA. "Se fizer com que as pessoas sorriam, além de pensar, melhor", concluiu.

(...)

"A religião está acostumada a usufruir de benefícios tributários, respeito não merecido, o direito de não ser ofendida e o direito de fazer lavagem cerebral nas crianças", disse Dawkins. "Mesmo nos ônibus, ninguém pensa duas vezes quando vê um slogan religioso. Esta campanha fará com que as pessoas pensem e pensar é um anátema perante a religião", completou.

Fonte: Folha de São Paulo

03 dezembro 2008

Comida para vermes



Carpe diem quam minimum credula postero - Colhe o dia e confia o mínimo no amanhã.
Horácio, em Odes



Fui à floresta porque queria viver profunda e intensamente (...) sugar a essência da vida. Eliminar tudo que não for vida, e não, ao morrer, descobrir que não vivi.
Henry David Thoreau

02 dezembro 2008

Felicidade

"Faça o que for necessário para ser feliz.
Mas não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples,
você pode encontrá-la e deixá-la ir embora
por não perceber sua simplicidade".
Mário Quintana

01 dezembro 2008

Fé e amor

"Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento."
Machado de Assis

Está explicado

O curitibano é o que menos faz sexo
A personalidade fechada e conservadora tem reflexos no comportamento afetivo e sexual dos curitibanos. Se comparado a habitantes de outras nove capitais brasileiras, o curitibano é o povo que menos faz sexo. As mulheres da capital paranaense são as que menos diferenciam sexo de amor e as que apresentam menor índice de satisfação em relação à vida sexual. Os homens são os que menos usam preservativo e os que se mostram mais conservadores quanto ao sexo sem envolvimento. Os curitibanos são ainda os que afirmam ter o menor número de parceiras significativas ao longo da vida, mas são os que mais conversam sobre sexo com a família.
Os resultados fazem parte da pesquisa Mosaico Brasil, patrocinada pela Pfizer, que entrevistou 8.237 pessoas em dez cidades brasileiras ao longo de 2008 com o objetivo de traçar um perfil do comportamento afetivo-sexual do brasileiro.
A presença de sentimento, a insatisfação e a falta de prioridade quando o assunto é sexo são alguns dos aspectos levantados pelas curitibanas ouvidas pela reportagem. Em compensação, o homem não acredita que a afinidade seja um aspecto motivador para um relacionamento. Quanto a conversar sobre sexo com a família, sem problemas. Prática que acaba contradizendo o jeito de ser sisudo do curitibano.
Segundo o estudo, os homens de Curitiba têm em média 2,7 relações sexuais por semana e as mulheres 2,1. Os números estão abaixo da média nacional, que é de 3,1 relações para os homens e 2,7 para as mulheres. Os campeões na cama são os homens mineiros, que têm em média 3,8 relações por semana e as mulheres de Manaus, com 2,7.
A pesquisa revelou ainda uma mudança no comportamento em relação há algumas décadas. Homens e mulheres estão separando sexo de amor. Os dados nacionais mostram que 61% dos homens e 54% das mulheres distinguem a vida sexual da vida afetiva. Em Curitiba, no entanto, a visão é um pouco mais conservadora: apenas 43% das mulheres fazem essa separação, a menor média entre as capitais. Homens de Fortaleza (65,9%) e mulheres de Manaus (60,4%) são os que mais se destacam nessa distinção.
O estudo apontou também que para 45% dos brasileiros a vida sexual e afetiva é satisfatória. No entanto, quando se separam as duas coisas, quase 30% dos homens e mulheres se dizem realizados apenas afetivamente. Mas o percentual de homens que se diz realizado apenas sexualmente é o dobro do das mulheres, 15,8% contra 8,7%. Regionalmente, os índices mais baixos de satisfação sexual foram encontrados entre os homens de Manaus (10,7%) e as mulheres de Curitiba (7,1%). Os mais realizados sexualmente são os homens de Porto Alegre (18,4%) e as mulheres de Fortaleza (10,7%).
(...)
Em relação à qualidade de vida, o sexo apareceu como terceiro item mais importante entre os homens e o oitavo entre as mulheres de todo o Brasil. As paulistanas são as que mais o valorizam, colocando a vida sexual satisfatória como o terceiro indicador de qualidade de vida. Homens cariocas são os que dão mais importância ao sexo. São eles também os que menos vêem problema em ter relações sexuais sem envolvimento (82,7%). Os curitibanos, ao contrário, são os mais conservadores, apenas 65,5% dos homens fariam sexo sem envolvimento. Entre as mulheres, as mais reservadas são as mineiras: apenas 30,9% delas iriam para a cama com alguém que não estivessem envolvidas.
(...)
O perito de seguros Carlos (nome fictício), 40 anos, mantém um relacionamento estável há seis anos. Porém, afirma que a variedade nas relações é um aspecto saudável. Ressalta que o respeito ao outro é importante, mas acredita que para haver um envolvimento sexual nem sempre é preciso ter sentimento.
Gazeta do Povo, em 26/11/2008

Bom pessoal, está explicado. Mudem ou mudem-se, por favor!

29 novembro 2008

A Casa da Palavra

“Nosso trabalho é ouvir as pessoas que estão sofrendo”. As palavras de Sílvia Mayer Marinho, estudante de Psicologia em Blumenau, Santa Catarina e voluntária na tragédia que se abateu sobre o Estado, revelam que uma escuta é essencial contra a dor. A manchete da Zero Hora é precisa: “A eficiente máquina contra a destruição”. Então, eis aí a escuta contra a dor, contra o sofrimento, contra a destruição que o silêncio pode causar em uma vida. Ouvir as pessoas que estão sofrendo é retirá-las agora dos escombros do desalento, do soterramento da angústia, do frio da indiferença, da tragédia de um luto a ser feito. Ouvir as pessoas é convidar à casa da palavra – uma casa que se constrói e se modifica à medida em que se fala para alguém que escuta. Escutar significa aqui não oferecer uma casa pronta, igual para todos. Escutar significa ouvir a diferença radical de cada um diante de uma dor particular, singular e única - vivida por cada um a seu modo e de seu jeito. Escutar significa a construção de um lugar onde essa diferença se transforme de dor em trabalho - trabalho de luto.
Leonardo Ferrari

“27 de novembro de 2008, Zero Hora, CARLOS ETCHICHURY | Blumenau (SC)
EMERGÊNCIA EM SC
A eficiente máquina contra a destruição Estudante do 6º semestre de Psicologia, Silvia Mayer Marinho, 40 anos, senta em um dos bancos do salão paroquial da Catedral São Paulo Apóstolo, no centro de Blumenau, transformado em um gigantesco abrigo, para contar a sua rotina:
– Hoje (ontem) uma senhora teve uma crise ao lembrar que levou nos braços um sobrinho de oito meses, morto por um deslizamento. Ontem, ouvi uma mulher contando que perdeu um vizinho soterrado ao voltar para casa para buscar um celular. Agorinha mesmo um senhor falou que na comunidade dele, no Morro do Baú, uma família inteira prefere morrer soterrada a deixar a casa ameaçada... As pessoas precisam falar de sua dor.
Silvia é um dos centenas de voluntários mobilizados para amenizar sofrimentos de vítimas da maior tragédia da história do Vale do Itajaí.
– Nosso trabalho é ouvir as pessoas que estão sofrendo – conta Silvia.
A participação de voluntários como Silvia é facilitada graças a uma azeitada máquina que envolve o município, o Estado e a sociedade civil organizada – numa das mais bem sucedidas articulações da Defesa Civil no país.(...)”
Fonte: Carlos Etchichury in Zero Hora, 27/11/2008
Emprestado de Blog de Leonardo Ferrari

25 novembro 2008

Uma boa doença

Único prêmio Nobel de Literatura da língua portuguesa, José Saramago, 86, disse que não precisou ler a obra de Paulo Coelho para ficar mais sereno. A afirmação foi nesta terça-feira em São Paulo.

"Não precisei ler o Paulo Coelho. Uma boa doença vale por toda obra do Paulo Coelho", disse em tom de brincadeira.

A serenidade veio após o período em que ficou muito doente e que o obrigou a interromper o livro que veio lançar no Brasil, "A Viagem do Elefante".

Totalmente recuperado, Saramago está em São Paulo também para promover a exposição "A Consistência dos Sonhos", que também tem uma versão em livro, uma cronobiografia assinada por Fernando Gómez Aguilera.

(...)

Sobre o novo livro, Saramago afirmou que o inusitado é que a dosagem de humor que colocou na obra. Ele também afirmou que fez uma certa "garimpagem" espontânea de vocabulário ao usar espontaneamente palavras de sua adolescência e infância.

"Usei palavras que tinham ficado enterradas no passado, somos compostos de sedimentos lingüísticos", afirmou o escritor português.
Folha Online

22 novembro 2008

O propósito

Por que 21 mil quilômetros de batom são vendidos por ano? O que cada um de nós fará mais de 3 mil vezes durante a vida? Por que 18 mil litros de loção pós-barba são usados todos os dias? Como queimaremos 250 mil calorias ao longo da vida? E o que 240 milhões de pessoas estarão fazendo hoje à noite? No fim, tudo se resume a uma coisa. O que é? Fazer sexo. Documentário da BBC/TLC Co, em português, apresentado pelo Discovery Channel.

É comprido, mas vale a pena.

12 novembro 2008

Partir

Parti para minha mais longa travessia, e mesmo que só durasse esse único dia, eu havia escapado do maior perigo de uma viagem, da forma mais terrível de naufrágio: não partir.
Amyr Klink

10 novembro 2008

Santos

O pecado é mais saudável e alegre do que a virtude. Aqueles que trocam o vício pela beatice tornam-se velhos feios e desagradáveis.

Rubem Fonseca

08 novembro 2008

Essência

Muitos anos fazia que, de Combray, tudo quanto não fosse o teatro e o drama do meu deitar não mais existia para mim, quando, por um dia de inverno, ao voltar para casa, vendo minha mãe que eu tinha frio, ofereceu-me chá, coisa que era contra meus hábitos. A princípio recusei, mas, não sei por quê, terminei aceitando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madalenas e que parecem moldados na valva estriada de uma concha de são Tiago. Em breve, maquinalmente, acabrunhado com aquele triste dia e a perspectiva de mais um dia tão sombrio como o primeiro, levei aos lábios uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena. Mas no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção de sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferente às vicissitudes da vida, inofensivos seus desastres, ilusória sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou, antes, essa essência não estava em mim, era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal. De onde me teria vindo aquela poderosa alegria? Senti que estava ligada ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava infinitamente e não devia ser da mesma natureza. De onde vinha? Que significava? Onde apreendê-la? Bebo um segundo gole que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, parece que está diminuindo a virtude da bebida. É claro que a verdade que procuro não está nela, mas em mim. A bebida a despertou, mas não a conhece, e só o que pode fazer é repetir indefinidamente, cada vez com menos força, esse mesmo testemunho que não sei interpretar e que quero tornar a solicitar-lhe daqui a um instante e encontrar intato à minha disposição, para um esclarecimento decisivo. Deponho a taça e volto-me para meu espírito. É a ele que compete achar a verdade. Mas como? Grave incerteza, todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo, quando ele, o explorador, é ao mesmo tempo o país obscuro a explorar e onde todo o seu equipamento de nada lhe servirá. Explorar? Não apenas explorar: criar. Está diante de qualquer coisa que ainda não existe e a que só ele pode dar realidade e fazer entrar em sua luz.
Marcel Proust – Em Busca do Tempo Perdido. Tradução de Mario Quintana

07 novembro 2008

Findas

Amar o perdido

deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do Não.

As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão

Mas as coisas findas

muito mais que lindas,

essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

01 novembro 2008

All we need



There´s nothing you can do that can't be done
Nothing you can sing that can't be sung
Nothing you can say, but you can learn how to play the game
It's easy

All you need is love
(...)
There´s nothing you can make that can't be made
No-one you can save that can't be saved
Nothing you can do, but you can learn how to be in time
It's easy

All you need is love
(...)
Love is all we need

29 outubro 2008

Grande Edgar

Já deve ter acontecido com você.

- Não está se lembrando de mim?

Você não está se lembrando dele. Procura, freneticamente, e todas as fichas armazenadas na memória o rosto dele e o nome correspondente, e não encontra. E não há tempo para procurar no arquivo desativado. Ele está ali, na sua frente, sorrindo, os olhos iluminados antecipando a sua resposta. Lembra ou não lembra?

Neste ponto, você tem uma escolha. Há três caminhos a seguir.

Um, o curto, grosso e sincero.

- Não.

Você não está se lembrando dele e não tem por que esconder isso. O "Não" seco pode até insinuar uma reprimenda à pergunta. Não se faz uma pergunta assim, potencialmente embaraçosa, a ninguém, meu caro. Pelo menos não entre pessoas educadas. Você devia ter vergonha. Não me lembro de você e mesmo que lembrasse não diria. Passe bem.

Outro caminho, menos honesto mas igualmente razoável, ‚ o da dissimulação.

- Não me diga. Você é o... o...

"Não me diga", no caso, quer dizer "Me diga, me diga". Você conta com a piedade dele e sabe que cedo ou tarde ele se identificará, para acabar com a sua agonia. Ou você pode dizer algo como:

- Desculpe, deve ser a velhice, mas...

Este também é um apelo à piedade. Significa "Não torture um pobre desmemoriado, diga logo quem você é!". É uma maneira simpática de dizer que você não tem a menor idéia de quem ele é, mas que isso não se deve à insignificância dele e sim a uma deficiência de neurônios sua.

E há um terceiro caminho. O menos racional e recomendável. O que leva à tragédia e à ruína. E o que, naturalmente, você escolhe.

- Claro que estou me lembrando de você!

Você não quer magoá-lo, é isso! Há provas estatísticas de que o desejo de não magoar os outros está na origem da maioria dos desastres sociais, mas você não quer que ele pense que passou pela sua vida sem deixar um vestígio sequer. E, mesmo, depois de dizer a frase não há como recuar. Você pulou no abismo. Seja o que Deus quiser. Você ainda arremata:

- Há quanto tempo!

Agora tudo dependerá da reação dele. Se for um calhorda, ele o desafiará.

- Então me diga quem eu sou.

Neste caso você não tem outra saída senão simular um ataque cardíaco e esperar, falsamente desacordado, que a ambulancia venha salvá-lo. Mas ele pode ser misericordioso e dizer apenas:

- Pois é.

Ou:

- Bota tempo nisso.

Você ganhou tempo para pesquisar melhor a memória. Quem é esse cara, meu Deus? Enquanto resgata caixotes com fichas antigas no meio da poeira e das teias de aranha do fundo do cérebro, o mantém distancia com frases neutras como jabs verbais.

- Como cê tem passado?

- Bem, bem.

- Parece mentira.

- Puxa.

(Um colega da escola. Do serviço militar. Será um parente? Quem é esse cara, meu Deus?)

Ele está falando:

- Pensei que você não fosse me reconhecer...

- O que é isso?!

- Não, porque a gente às vezes se decepciona com as pessoas.

- E eu ia esquecer você? Logo você?

- As pessoas mudam. Sei lá.

- Que idéia!

(É o Ademar! Não, o Ademar já morreu. Você foi ao enterro dele. O... o... como era o nome dele? Tinha uma perna mecânica. Rezende! Mas como saber se ele tem uma perna mecânica? Você pode chutá-lo, amigavelmente. E se chutar a perna boa? Chuta as duas. "Que bom encontrar você!" e paf, chuta uma perna. "Que saudade!" e paf, chuta a outra. Quem é esse cara?)

- É incrível como a gente perde contato.

- É mesmo.

Uma tentativa. É um lance arriscado, mas nesses momentos deve-se ser audacioso.

- Cê tem visto alguém da velha turma?

- Só o Pontes.

- Velho Pontes!

(Pontes. Você conhece algum Pontes? Pelo menos agora tem um nome com o qual trabalhar. Uma segunda ficha para localizar no sótão. Pontes, Pontes...)

- Lembra do Croarê?

- Claro!

- Esse eu também encontro, às vezes, no tiro ao alvo.

- Velho Croarê!

(Croarê. Tiro ao alvo. Você não conhece nenhum Croarê e nunca fez tiro ao alvo. É inútil. As pistas não estão ajudando. Você decide esquecer toda a cautela e partir para um lance decisivo. Um lance de desespero. O último, antes de apelar para o enfarte.)

- Rezende...

- Quem?

Não é ele. Pelo menos isto está esclarecido.

- Não tinha um Rezende na turma?

- Não me lembro.

- Devo estar confundindo.

Silêncio. Você sente que está prestes a ser desmascarado.

Ele fala:

- Sabe que a Ritinha casou?

- Não!

- Casou.

- Com quem?

- Acho que você não conheceu. O Bituca.

Você abandonou todos os escrúpulos. Ao diabo com a cautela. Já que o vexame é inevitável, que ele seja total, arrasador. Você está tomado por uma espécie de euforia terminal. De delírio do abismo. Como que não conhece o Bituca?

- Claro que conheci! Velho Bituca...

- Pois casaram.

É a sua chance. É a saída. Você passa ao ataque.

- E não avisaram nada?!

- Bem...

- Não. Espera um pouquinho. Todas essas coisas acontecendo a Ritinha casando com o Bituca, o Croarê dando tiro, e ninguém me avisa nada?!

- É que a gente perdeu contato e...

- Mas o meu nome está na lista, meu querido. Era só dar um telefonema. Mandar um convite.

- É...

- E você ainda achava que eu não ia reconhecer você. VOCÊS que se esqueceram de mim!

- Desculpe, Edgar. É que...

- Não desculpo não. Você tem razão. As pessoas mudam...

(Edgar. Ele chamou você de Edgar. Você não se chama Edgar. Ele confundiu você com outro. Ele também não tem a mínima idéia de quem você é. O melhor é acabar logo com isso. Aproveitar que ele está na defensiva. Olhar o relógio e fazer cara de "Já?!".)

- Tenho que ir. Olha, foi bom ver você, viu?

- Certo, Edgar. E desculpe, hein?

- O que é isso? Precisamos nos ver mais seguido.

- Isso.

- Reunir a velha turma.

- Certo.

- E olha, quando falar com a Ritinha e o Mutuca...

- Bituca.

- E o Bituca, diz que eu mandei um beijo. Tchau, hein?

- Tchau, Edgar!

Ao se afastar, você ainda ouve, satisfeito, ele dizer "Grande Edgar". Mas jura que é a última vez que fará isso. Na próxima vez se alguém lhe perguntar "Você está me reconhecendo?" não dirá nem não. Sairá correndo.

Luis Fernando Veríssimo

27 outubro 2008

Sexo e Amor


O amor sonha com a pureza.
Sexo precisa do pecado.
O amor é sonho dos solteiros.
Sexo é sonho dos casados.
Arnaldo Jabor

26 outubro 2008

Com que pernas?

Para roubar um coração

Para se roubar um coração, é preciso que seja com muita habilidade,

tem que ser vagarosamente, disfarçadamente,

não se chega com ímpeto,

não se alcança o coração de alguém com pressa.

Tem que se aproximar com meias palavras,

suavemente,

apoderar-se dele aos poucos,

com cuidado.

Não se pode deixar que percebam que ele será roubado,

na verdade, teremos que furtá-lo, docemente.

Conquistar um coração de verdade dá trabalho,

requer paciência,

é como se fosse tecer uma colcha de retalhos,

aplicar uma renda em um vestido,

tratar de um jardim, cuidar de uma criança.

É necessário que seja com destreza, com vontade,

com encanto, carinho e sinceridade.

Para se conquistar um coração definitivamente

tem que ter garra e esperteza,

mas não falo dessa esperteza que todos conhecem,

falo da esperteza de sentimentos,

daquela que existe guardada na alma em todos os momentos.

Quando se deseja realmente conquistar um coração,

é preciso que antes já tenhamos conseguido conquistar o nosso,

é preciso que ele já tenha sido explorado nos mínimos detalhes,

que já se tenha conseguido conhecer cada cantinho, entender cada espaço preenchido e aceitar cada espaço vago.

...e então, quando finalmente o outro coração for conquistado,

quando tivermos nos apoderado dele,

vai existir uma parte de alguém que seguirá conosco.

Uma metade de alguém que será guiada por nós

e o nosso coração passará a bater por conta desse outro coração.

25 outubro 2008

As Mentiras que os Homens Contam

Nós nunca mentimos. Quando mentimos, é para o bem de vocês. Verdade. Começa na infância, quando a gente diz para a mãe que está sentindo uma coisa estranha, bem aqui, e não pode ir à aula sob pena de morrer no caminho. Se fôssemos sinceros e disséssemos que não tínhamos feito a lição de casa e por isso não podíamos enfrentar a professora a mãe teria uma grande decepção. Assim, lhe dávamos a alegria de se preocupar conosco, que é a coisa que mãe mais gosta, e a poupávamos de descobrir a nossa falta de caráter. Melhor um doente do que um vagabundo. E se ela não acreditasse, e nos mandasse ir à escola de qualquer jeito, ainda tínhamos um trunfo sentimental. "Então vou ter que inventar uma história para a professora", querendo dizer vou ter que mentir para outra mulher como se ela fosse você. "Está bem, fica em casa estudando!" E ficávamos em casa, fazendo tudo menos estudar, dando-lhe todas as razões para dizer que não nos agüentava mais, que é outra coisa que mãe também adora.
A primeira namorada. Mentíamos para preservar nosso orgulho, certo?
- Não, não, eu estava passando por acaso. Você acha que eu fico rondando a sua casa o dia inteiro, é?
Mas o que vocês pensariam se nós disséssemos: "Sim, sim, não posso ficar longe de você, penso em você o dia inteiro, aqueles telefonemas que você atende e ninguém fala, sou eu! Confesso, sou eu! Vamos nos casar! Eu sei que eu só tenho 12 anos e você tem 11, mas temos que nos casar! Senão eu morro. Senão eu morro!"? Vocês se assustariam, claro. A paixão nessa idade pode ser um sumidouro. Mentíamos para nos proteger do sumidouro.
Outras namoradas. Outras mentiras.
- Eu só quero ver, juro. Não vou tocar.
Vocês não queriam ser tocadas, mas ao mesmo tempo se decepcionariam se a gente nem tentasse. Nem desse a vocês a oportunidade de afastar a nossa mão, indignadas. Ou de descobrir como era ser tocada.
Namorar - pelo menos no meu tempo, a Renascença - era uma lenta conquista de territórios hostis, como a dos desbravadores do Novo Mundo. Avançávamos no desconhecido, centímetro a centímetro, mentira a mentira.
- Pode, mas só até aqui.
- Está bem. Não passo daí.
- Jura?
- Juro.
- Você passou! Você mentiu!
- Me distraí!
Dávamos a vocês todos os álibis, todas as oportunidades para dizer depois que tudo acontecera devido à nossa calhordice e não à vontade que vocês também sentiam. Não mentíamos para vocês, mentíamos por vocês. Os verdadeiros cavalheiros eram os que enganavam as mulheres. Os calhordas diziam, abjetamente, a verdade. Não faziam o que juravam que não iam fazer, transferindo toda a iniciativa a vocês. É ou não é?
Mas isso tudo mudou, desgraçadamente bem quando eu deixei para trás as tentações do mundo e entrei para uma ordem (a dos monógamos). A revolução sexual, que um dia ainda vai ser comemorada como a Revolução Francesa, com a invenção da pílula anticoncepcional correspondendo à queda da Bastilha e o fim dos sutiãs ao fim da monarquia - e o termo sans culotte, claro, adquirindo novo significado - tornou o relacionamento entre homens e mulheres mais franco e desobrigou os homens de mentir para as mulheres para salvar a honra delas. Aliás, dizem que a coisa virou de tal maneira que hoje a mentira mais comum dita pelos homens é "Esta noite não, querida, estou com dor de cabeça". Não sei. Mas continuamos mentindo a vocês para o bem de vocês.
"Rmmwlmnswl" não significa que nós estamos fingindo dormir com medo de ir ver que barulho é aquele na sala. Significa que estamos fingindo dormir para que você vá ver com seus próprios olhos que não é nada e pare com esses temores ridículos, e se for mesmo ladrão nos avise a tempo de pular pela janela.
"Fiquei fazendo companhia ao Almeidinha, coitado, ele ainda não se refez" significa que a nova gata do Almeidinha só saía com ele se ele conseguisse um par para a prima dela, e nós fazemos tudo por um amigo, mas não queremos estragar a ilusão de vocês de que a separação deixou o Almeidinha arrasado, como ele merecia.
"Está quase igual ao da mamãe" significa que não chega aos pés do que a mamãe fazia, ou então que está muito melhor, mas que o importante é vocês não se sentirem nem tão ressentidas que decidam atirar o doce na nossa cabeça e depois se arrependam, nem tão confiantes que parem de tentar ser iguais à mamãe, e no dia que a gente disser que está sentindo uma coisa estranha bem aqui, só para não ir trabalhar e ficar vendo o programa da Xuxa, vocês não digam "Comigo essa não pega" e nos botem para a rua.
Luis Fernando Veríssimo

24 outubro 2008

Vestígios de Realidade


Parte I


Parte II


Parte III

"De tanto querer nos vender a felicidade, a publicidade acaba fabricando legiões de frustrados. De tanto provocar desejos que derivam em decepção, a publicidade perde o objetivo e dá origem a deprimidos e delinqüentes. De tanto serem seduzidos da manhã à noite, aqueles que dão um duro danado para equilibrar o orçamento no fim do mês, os que ganham pouco, os salários-mínimos, os empregados ameaçados, acabam por ser alijados da sociedade. Fracassados. A publicidade não vende felicidade, ela gera depressão e angústia. Cólera e frustração."

Oliveiro Toscani – A Publicidade é um Cadáver que nos Sorri