03 dezembro 2010

10 anos

Quando chegou a Lisboa para disputar a Masters Cup, Gustavo Kuerten sabia que podia sair do torneio como número 1 do mundo. Sabia também que suas chances eram pequenas. A vantagem era de Marat Safin, que liderava a Corrida dos Campeões (ranking que levava em conta apenas os pontos conquistados na temporada) e nem precisava levantar o troféu para fechar a temporada no topo do ranking.

As condições também favoreciam o russo. O torneio era disputado em quadra dura e coberta, em que Guga jamais havia conquistado um título na carreira. A hipótese de o brasileiro ultrapassar o russo em Lisboa era tão improvável que a ATP, entidade que organiza o circuito mundial, já preparava uma celebração para o russo.

Para piorar, logo no primeiro jogo do dia, o russo derrotou o espanhol Alex Corretja. Guga, que fez a última partida, vencia Andre Agassi, mas sentiu dores na coxa e nas costas e acabou derrotado.

Diante da possibilidade de não voltar a jogar por causa da contusão e ceder seu lugar no torneio para o sueco Thomas Enqvist, Guga pediu à direção do torneio o máximo de tempo possível para descansar. A organização colaborou: o brasileiro ganhou folga na quarta-feira e só voltaria a atuar no último jogo de quinta contra Magnus Norman.

- Lembro que aquele dia eu fiquei umas duas horas no fisioterapeuta, e depois fiz todos tipos de tratamento possível, desde massagem até medicação, antiinflamatório, banheira, gelo, calor, tudo até umas 3h, 4h da manhã - conta Guga. - Bati uma meia hora e foi estranho. Tudo que eu estava fazendo ali estava dando certo. Batia uma bola de direita, acertava. "Vamo de esquerda, aqui tá bom. Aqui tá bom, aqui tá bom...". Tudo que eu fazia, eu consegui fazer no mínimo de tempo possível e numa forma muito boa. Fui dormir com bastante certeza que eu poderia jogar. Eu não tinha nenhuma convicção de que poderia ter uma boa performance, mas deu para sentir que eu ia poder estar dentro da quadra pelo menos. A vitória sobre Magnus veio de maneira fácil e rápida, impressionando a todos que assistiram.

Essa séria lesão, o retrospecto apenas mediano em quadras duras e cobertas, a necessidade de derrota do russo antes da final, os adversários do nível de Andre Agassi e Pete Sampras... Tudo levava a crer que Gustavo Kuerten deixaria a Masters Cup de Lisboa, no ano 2000, na vice-liderança do ranking.

Mas o catarinense nunca foi de desistir rápido de seus objetivos. E chegou, naquele domingo, dia 3 de dezembro, exatos dez anos atrás, ao ponto de ter o seu maior objetivo, o topo do ranking mundial, ao alcance de seus saques, forehands, backhands, slices e voleios.

Agora só bastava uma vitória sobre Agassi. Tarefa ingrata, sim, mas que já não parecia improvável. Nos últimos três dias, afinal, Guga havia derrotado Magnus Norman, Yevgeny Kafelnikov e Pete Sampras. Faltava um jogo, contra o mesmo americano que o derrotou na primeira partida daquela semana mágica. Tal tarefa, porém, era das mais difíceis: derrotar Pete Sampras e Andre Agassi em dias consecutivos, algo que ninguém jamais havia conseguido. Então bicampeão de Roland Garros, o brasileiro viu a chance, agarrou-a com toda a força e fez, naquele domingo, o melhor jogo de sua vida.

E a vitória veio com um triplo 6/4 em 2h06m, com 19 aces executados e sete break points salvos, sem ceder uma quebra. Sem deixar Agassi, ex-número 1 do mundo, respirar. Guga, enfim, chegava ao topo do mundo.

- Eu diria que esse jogo, abreviando, foi a melhor performance que tive como profissional. Analisando toda a figura, lidar com tudo aquilo que requer a situação, foi o maior rendimento que eu tive, não tenho dúvida. Ali eu tinha ainda algumas incertezas, mudanças recentes no meu estilo de jogo naquela quadra, uma restrição física... Tinha o lance de enfrentar caras como Agassi e Sampras naquele piso, em que eu nunca tinha ganhado torneio e ainda era algo angustiante para mim... Para ser número 1 do mundo, lidar com essa expectativa, jogando contra esse nível de caras, não dando nenhuma oportunidade... Para traduzir, foi um planejamento de A a Z, e consegui executar todas as tarefas em grau 9, 10. Foi muita eficácia de todas as formas - lembra Guga.

O jogo não teve o mesmo aperto da semifinal contra Sampras, mas só porque o brasileiro jamais permitiu que Agassi equilibrasse as ações. O americano admitiria isso na coletiva, logo depois.

- Acho que tive oito, dez break points, e ele (Guga) só errou um primeiro saque. Acho que só coloquei uma dessas bolas em jogo. Agora, penso que deveria ter sido muito mais agressivo, mas isso tem muito a ver com ele. Ele assumiu a liderança e executou bem. O backhand dele estava vindo fora da minha zona de conforto - avaliou.

Vitória garantida, Guga se tornava o primeiro brasileiro número 1 do mundo no tênis. Após um cumprimento sincero de Agassi, o brasileiro só teve o que festejar. Começou com o microfone na mão. Pela primeira vez falando em português ao ganhar um torneio de grande porte fora do país, o catarinense quebrou o protocolo e deu um abraço na "mãe número 1 do mundo", dona Alice.

No vestiário, estourou champanhe ao lado da família e do técnico Larri Passos, virou o líquido no troféu do Masters de Lisboa e bebeu direto da taça.

No dia seguinte, Guga já não era encontrado em Lisboa. Cedinho, sem tempo de um despedir da família, que ainda dormia, o tenista embarcava para o Havaí...

Após se tornar o tenista número 1 do mundo, em Lisboa e ganhar mais de U$5 milhões de dólares em premiações naquele ano, seria comum ver Gustavo Kuerten voltar ao Brasil e desfilar em carro do Corpo de Bombeiros por Florianópolis, ou em algum carro oficial, por Brasília. Mas não para Guga, que tirou férias e foi viajar com os amigos, dormir em colchonete e desfilar sobre as pranchas de surfe no Havaí (EUA).

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