16 maio 2007

Nosso espaço

"Já somos 6 bilhões, não contando o milhão e pouco que nasceu desde o começo desta frase. Se fosse um planeta bem administrado isto não assustaria tanto. Mas é, além de tudo, um lugar mal freqüentado. Temos a fertilidade de coelhos e o caráter de chacais, que, como se sabe, são animais sem qualquer espírito de solidariedade. As megacidades, que um dia foram símbolos da felicidade bem distribuída que a ciência e a técnica nos trariam – um helicóptero em cada garagem e caloria sintética para todos, segundo as projeções futuristas de anos atrás – se transformaram em representações da injustiça sem remédio, cidadelas de privilégio cercadas de miséria, uma réplica exata do mundo feudal, só que com monóxido de carbono. Nosso futuro é a aglomeração urbana, e as sociedades se dividem entre as que se preparam – conscientemente ou não – para um mundo desigual e apertado e as que confiam que as cidadelas resistirão às hordas sem espaço. Os jornais ficaram mais estreitos para economizar papel, mas também porque diminui a área para expansão dos nossos cotovelos. Chegaremos ao tablóide radical, duas ou três colunas magras onde tudo terá que ser dito com concisão desesperada. Adeus advérbios de modo e frases longas, adeus frivolidades e divagações superficiais como esta. A tendência de tudo feito pelo homem é para a diminuição – dos telefones e computadores portáteis aos assentos na classe econômica. O próprio ser humano trata de perder volume, não por razões estéticas ou de saúde, mas para poder caber no mundo.No Japão, onde muita gente convive há anos com pouco lugar, o espaço é sagrado. Surpreende a extensão dos jardins do palácio imperial no centro de Tóquio, uma cidade onde nem milionário costuma ter mais de dois quartos, o que dirá um quintal. É que o espaço é a suprema deferência japonesa. O imperador sacralizado é ele e sua imensa circunstância. Já nos Estados Unidos, reverencia-se o espaço com o desperdício. Para entender os americanos você precisa entender a sua classificação de camas de acordo com o tamanho: queen size, tamanho rainha, king size, para reis, e, era inevitável, emperor size, do tamanho de jardins imperiais. É o espaço como suprema ostentação, pois – a não ser para orgias e piqueniques – nada é mais supérfluo do que espaço sobrando numa cama, exatamente o lugar onde não se vai a lugar algum. Os americanos ainda não se deram conta de que, quando chegar o dia em que haverá chineses embaixo de todas as camas do mundo, quanto maior a cama, mais chineses."
Luis Fernando Verissimo

2 comentários:

Leonardo Ferrari, psicanalista disse...

Caro Alexandre, eu adorei mesmo foi a Tania Derveaux em seu blog. Que presença! Que encantos! Parabéns pelo blog. Um abraço, Ferrari

http://leobelferrari.blog.uol.com.br

Nasser de Melo disse...

Bem vindo professor. Bom Vê-lo por aqui. Tania Derveaux é destaque em qualquer blog. Abraço