17 agosto 2008

Lucidez

Pelo voto livre, convicto e forte
"Antes que o leitor se canse de ouvir falar em eleições por causa da campanha que está começando, faço uma confissão: acho tão difícil votar! Que dureza é escolher um candidato! Quanto mais seriamente você encarar o voto, mais pesada sentirá a responsabilidade. A gente não quer votar em qualquer um só para cumprir a lei. Quer votar para fazer um movimento na direção de uma sociedade mais justa, mais correta, mais equilibrada. Mas como escolher a pessoa certa quando as opções não parecem boas ou não sabemos o suficiente para escolher um vereador, por exemplo? Em Curitiba, há mais de 800 candidatos e eu só conheço pessoalmente um rapaz que mendigava em uma esquina do Batel e agora – para meu espanto – apresentou-se como candidato.
Em geral, é mais difícil escolher quem está mais perto de nós, os vereadores. Especialmente porque os que já têm mandato raramente se destacam por sua atuação – eleitos, os vereadores desaparecem em um universo de assistencialismo para os carentes e de propostas inúteis. Quem é que está discutindo o futuro da cidade, questionando o prefeito, levantando temas que os cidadãos devem analisar? Parece que há um vácuo de idéias e de comprometimento – o voto obrigatório entrega a todos os cidadãos a responsabilidade de preencher esse vazio. Faz sentido. Mas é complicado.
Em 1989, na primeira eleição para presidente da República depois do fim da ditadura militar, cobri como jornalista os comícios dos principais candidatos no Paraná. Alguns vieram várias vezes (Collor, Brizola, Ronaldo Caiado, Afif Domingues). Faziam-se grandes comícios em que o candidato discursava durante até uma hora, caso de Brizola, ou apenas 5 minutos cuidadosamente cronometrados por assessores – era assim com o Collor. Os candidatos tinham de dar várias entrevistas aos radialistas das pequenas cidades por onde passavam, falar com dezenas de vereadores e líderes comunitários. Alguns mostravam uma paciência de Jó – caso de Paulo Maluf, sempre espirituoso; do comunista Roberto Freire e do paranaense Affonso Camargo. Collor e Aureliano Chaves estavam constantemente irritados; Ulysses Guimarães, cansado. Foi vendo tudo isso que percebi que não podia votar em Fernando Collor de Mello, que parecia tenso, pronto para a briga, cercado de uma parafernália de marketing que não deixava ninguém se aproximar dele. Também foi assim que confirmei minha intenção de votar em Mário Covas. Votei convicta mesmo sabendo que meu candidato não iria para o segundo turno. Votar assim é uma delícia.
De certa forma, foi porque escolher o candidato é tarefa árdua que tornaram o voto obrigatório no Brasil. Isso aconteceu em 1932, quando apenas 10% dos brasileiros tinham título de eleitor (o analfabetismo excluía a maioria). Temia-se que uma pequena participação dentro de um eleitorado já tão reduzido tirasse a legitimidade do processo. O número de eleitores cresceu, a preocupação persistiu: se o voto fosse voluntário, a participação não cairia muito? A experiência de outros países mostra que sim. Mas também mostra o outro lado da moeda. Há mais votos nulos e brancos em países com voto obrigatório do que naqueles em que é votar é uma opção do cidadão. Também há maior quantidade de votos ao acaso, em que os cidadãos escolhem qualquer candidato sem mais considerações que a de cumprir a obrigação (são dados recolhidos pela ONG International IDEA).
Ou seja, o voto facultativo é mais forte, mais consciente, mais saudável. Quem fizer o esforço de acompanhar a vida pública do país, de ir atrás de informação sobre os candidatos, vai ter motivos para ir até a urna. Quem não se sentir seguro para fazer a escolha, vai deixar o título na gaveta. Não parece mais sensato?"
Marleth Silva – Gazeta do Povo, em 16/08/2008.

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