"O carnaval tinha alcançado o seu mais alto nível de loucura, Aureliano Segundo tinha satisfeito por fim o seu sonho de se fantasiar de tigre e andava feliz entre a multidão exaltada, rouco de tanto rugir, quando apareceu vindo pelo caminho do pantanal um bloco enorme trazendo num andor dourado a mulher mais fascinante que se podia imaginar. Por um momento, os pacíficos habitantes de Macondo tiraram as máscaras para ver melhor a deslumbrante criatura com coroa de esmeraldas e capa de arminho, que parecia investida de uma autoridade legítima e não simplesmente de uma soberania de lantejoulas e papel crepom. (...)
Chamava-se Fernanda del Carpio. Haviam-na selecionado como a mais bela entre as cinco mil mulheres mais belas do país e a trouxeram para Macondo com a promessa de proclamá-la rainha de Madagáscar. Úrsula cuidou dela como se fosse uma filha. (...)
Com a temeridade atroz com que José Arcadio Buendía atravessara a serra para fundar Macondo, com o orgulho cego com que o Coronel Aureliano Buendía promovera as suas guerras inúteis, com a tenacidade insensata com que Úrsula assegurara a sobrevivência da estirpe, assim Aureliano Segundo procurou Fernanda, sem um só instante de desalento. Quando perguntou onde se vendiam coroas de defunto, levaram-no de casa em casa para que escolhesse as melhores. Quando perguntou onde estava a mulher mais bela que já surgira sobre a terra, todas as mães lhe levaram as suas filhas. Perdeu-se nos desfiladeiros da névoa, por tempos reservados ao esquecimento, nos labirintos da desilusão. Atravessou um ermo amarelo onde o eco repetia os pensamentos e a ansiedade provocava miragens premonitórias. Ao fim de semanas estéreis, chegou a uma cidade desconhecida onde todos os sinos tocavam a finados. Embora nunca os tivesse visto, nem ninguém os tivesse descrito, reconheceu imediatamente os muros carcomidos pelo sal dos ossos, as decrépitas varandas de madeiras destripadas pelos fungos, e pregado no portão e quase apagado pela chuva o cartãozinho mais triste do mundo: VENDEM-SE COROAS FÚNEBRES.
Desse momento até a manhã gelada em que Fernanda abandonou a casa aos cuidados da Madre Superiora, mal houve tempo para que as freiras cosessem o enxoval e colocassem em seis baús os candelabros, a baixela de prata e o peniquinho de ouro e os incontáveis e inúteis destroços de uma catástrofe familiar que tardara dois séculos para se consumar. D. Fernando recusou o convite para acompanhá-los. Prometeu ir mais tarde, quando acabasse de liquidar os seus compromissos, e a partir do momento em que deu a bênção à filha voltou a se trancar no escritório, a escrever os bilhetes com as vinhetas de luto e o escudo de armas da família que haveriam de ser o primeiro contato humano que Fernanda e seu pai tiveram em toda a vida. Para ela, esta foi a data real do seu nascimento. Para Aureliano Segundo foi quase ao mesmo tempo o princípio e o fim da felicidade."
Gabriel Garcia Márquez - Cien Años de Soledad
Chamava-se Fernanda del Carpio. Haviam-na selecionado como a mais bela entre as cinco mil mulheres mais belas do país e a trouxeram para Macondo com a promessa de proclamá-la rainha de Madagáscar. Úrsula cuidou dela como se fosse uma filha. (...)
Com a temeridade atroz com que José Arcadio Buendía atravessara a serra para fundar Macondo, com o orgulho cego com que o Coronel Aureliano Buendía promovera as suas guerras inúteis, com a tenacidade insensata com que Úrsula assegurara a sobrevivência da estirpe, assim Aureliano Segundo procurou Fernanda, sem um só instante de desalento. Quando perguntou onde se vendiam coroas de defunto, levaram-no de casa em casa para que escolhesse as melhores. Quando perguntou onde estava a mulher mais bela que já surgira sobre a terra, todas as mães lhe levaram as suas filhas. Perdeu-se nos desfiladeiros da névoa, por tempos reservados ao esquecimento, nos labirintos da desilusão. Atravessou um ermo amarelo onde o eco repetia os pensamentos e a ansiedade provocava miragens premonitórias. Ao fim de semanas estéreis, chegou a uma cidade desconhecida onde todos os sinos tocavam a finados. Embora nunca os tivesse visto, nem ninguém os tivesse descrito, reconheceu imediatamente os muros carcomidos pelo sal dos ossos, as decrépitas varandas de madeiras destripadas pelos fungos, e pregado no portão e quase apagado pela chuva o cartãozinho mais triste do mundo: VENDEM-SE COROAS FÚNEBRES.
Desse momento até a manhã gelada em que Fernanda abandonou a casa aos cuidados da Madre Superiora, mal houve tempo para que as freiras cosessem o enxoval e colocassem em seis baús os candelabros, a baixela de prata e o peniquinho de ouro e os incontáveis e inúteis destroços de uma catástrofe familiar que tardara dois séculos para se consumar. D. Fernando recusou o convite para acompanhá-los. Prometeu ir mais tarde, quando acabasse de liquidar os seus compromissos, e a partir do momento em que deu a bênção à filha voltou a se trancar no escritório, a escrever os bilhetes com as vinhetas de luto e o escudo de armas da família que haveriam de ser o primeiro contato humano que Fernanda e seu pai tiveram em toda a vida. Para ela, esta foi a data real do seu nascimento. Para Aureliano Segundo foi quase ao mesmo tempo o princípio e o fim da felicidade."
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