27 abril 2009

Alegria divina

Lembro-me de uma estória:
Num domingo, um pobre fazendeiro estava saindo de sua casa e encontrou no portão um amigo de infância que tinha vindo para vê-lo.

O fazendeiro lhe disse: "Seja bem-vindo! Onde você esteve por todos estes anos? Entre Olhe, prometi ir ver alguns amigos e seria difícil adiar a visita agora. Assim, por favor, descanse em minha casa. Voltarei dentro de mais ou menos uma hora, e então poderemos ter um longo bate-papo".
O amigo disse: "Oh, não seria melhor que eu fosse com você? Só que minhas roupas estão muito sujas. Se você puder me dar algo limpo, trocarei de roupa e irei com você".
Há algum tempo, o rei havia dado ao fazendeiro algumas roupas valiosas e o fazendeiro as estava guardando para uma ocasião especial. Alegremente, ele trouxe essas roupas para o amigo.
O amigo colocou o precioso casaco, o turbante, o dhoti e os sapatos que eram muito bonitos. Ficou parecido com o próprio rei. Olhando para ele, o fazendeiro ficou um pouco enciumado, pois, comparado ao amigo, ele parecia um servo.
Tentou acalmar sua mente, vendo-se como um bom amigo, um homem de Deus. Decidiu que pensaria apenas em Deus e em coisas nobres: "Além do mais, que importância têm um casaco fino e um turbante caro?" Mas quanto mais tentava convencer-se, mais o casaco e o turbante tomavam conta de sua mente.
No caminho, embora estivessem caminhando juntos, as pessoas que passavam olhavam apenas para seu amigo; ninguém o notava. Ele começou a sentir-se deprimido. Estava tagarelando com o amigo, mas por dentro não pensava em outra coisa além do casaco e do turbante!
Chegaram à casa das pessoas que iam visitar e ele apresentou o amigo: "Este é um amigo meu, um amigo de infância. É um homem encantador". E, de repente, soltou: "Quanto às roupas, elas são minhas!"
O amigo ficou estupefato. Os donos da casa também ficaram sur-presos. O pobre fazendeiro compreendeu que o comentário havia sido inoportuno, mas então já era tarde demais. Arrependeu-se da sua asneira e reprovou-se interiormente.
Ao saírem da casa, ele desculpou-se com seu amigo.
O amigo disse: "Eu fiquei atônito. Como você pôde dizer uma coisa dessas?"
O fazendeiro disse: "Sinto muito. Foi essa minha língua. Cometi um erro".
Mas a língua nunca mente. As palavras só escapam da boca de alguém quando existe alguma coisa na mente; a língua nunca comete erros. Ele disse: "Perdoe-me. Não sei como pude dizer uma coisas dessas". Mas ele sabia muito bem que o pensamento havia surgido da sua mente.
Dirigiram-se então para a casa de um outro amigo. O fazendeiro havia resolvido firmemente não dizer que as roupas eram dele, e tentou endurecer sua mente. Quando chegaram ao portão, reafirmou a decisão irrevogável de não dizer que as roupas eram dele.
Aquele pobre homem não sabia que quanto mais resolvia não dizer nada, mais firmemente se enraizava a consciência interna de que as roupas pertenciam a ele. Na verdade, quando essas decisões são tornadas? Quando um homem toma uma firme resolução, como o voto de celibato, por exem-plo, isto significa que sua sexualidade está pressionando desesperadamente para precipitar-se para fora. Se um homem resolve comer menos ou jejuar, a partir de um determinado dia, isto implica num profundo desejo de comer mais. Tais esforços resultam inevitavelmente em conflitos internos. Somos o que nossas fraquezas são. Mas se decidimos refreá-las, se resolvemos lutar contra elas, naturalmente isto torna-se uma fonte de conflitos sub-conscientes.
Assim, em meio a esse combate interno, nosso fazendeiro entrou na casa. E começou muito cuidadosamente: "Este homem é meu amigo" - mas notou que ninguém estava prestando atenção nele; as pessoas olha-vam para seu amigo e suas roupas com admiração, e isto o tocou: "Este casaco é meu! E o turbante também!" Mas lembrou-se a tempo de que havia resolvido não falar sobre as roupas, e explicou para si mesmo: "Todo mundo tem roupas de um tipo ou de outro, pobres ou ricas. Isto é algo trivial". Mas as roupas oscilavam diante de seus olhos como um pêndulo, de um lado para o outro.
Assim, ele resumiu a apresentação: "Ele é meu amigo. Um amigo de infância. Um cavalheiro muito honrado. Quanto às roupas, são dele e não minhas".
As pessoas ficaram surpresas. Nunca tinham ouvido uma tal apresenta-ção: "As roupas são dele e não minhas!"
Depois de terem saído da casa, ele novamente se desculpou profusa-mente: "Que grande asneira", ele admitiu. Agora, estava confuso sobre o que fazer ou não fazer. Ele disse: "Roupas nunca tiveram qualquer impor-tância para mim antes! Oh, meu Deus, o que está me acontecendo?"
O que estava acontecendo com ele? O pobre sujeito não sabia que usando consigo mesmo tal técnica, nem o próprio Deus conseguiria se livrar da importância das roupas!
O amigo, agora totalmente indignado, disse que não iria mais a lugar algum com ele. O fazendeiro agarrou seu braço e disse: "Por favor, não faça isso. Ficarei infeliz pelo resto de minha vida por ter demonstrado tão péssimas maneiras a um amigo. Prometo não mencionar as roupas novamente. De todo o coração, juro por Deus que não mencionarei mais as roupas".
Entretanto, deve-se desconfiar daqueles que juram, porque há algo mais profundo envolvido quando alguém jura por alguma coisa. As resolu-ções são tomadas pela mente superficial, e a coisa contra a qual a resolução foi tomada permanece no interior, nos labirintos da mente subconsciente. Se a mente estivesse dividida em dez partes, essa que toma a resolução seria apenas uma delas, e justamente a mais exterior; as nove restantes estariam contra ela. O voto do celibato, por exemplo, é tomado por uma das partes da mente, enquanto o restante da mente está louco por sexo, está clamando por aquilo que foi implantado no homem por Deus.
Os dois amigos foram então à terceira casa, O fazendeiro manteve-se rigorosamente firme. Pessoas controladas são muito perigosas, porque existe dentro delas um vulcão vivo. Exteriormente, são rígidas, contidas e reservadas, e por dentro, sua ânsia de abandonar-se está completamente amarrada.
Lembrem-se: tudo que é forçado não pode ser contínuo nem com-pleto devido ao imenso esforço envolvido. Você tem de relaxar de vez em quando, tem de descansar. Quanto tempo você consegue ficar com o punho cerrado? Vinte e quatro horas? Quanto mais tensão for usada para cerrá-lo, mais se cansará, e mais rapidamente se abrirá. Trabalhe arduamente, gaste alguma energia a mais, e rapidamente se cansará. Para cada ação há sempre uma reação que vem prontamente. Sua mão pode permanecer sempre aberta, mas não pode ficar cerrada o tempo todo. Tudo o que o cansa não pode ser parte natural da vida. Sempre que algo é forçado, segue-se um período de descanso. Assim, quanto mais aplicado é um santo, mais peri-goso. Após vinte e quatro horas de repressão seguindo regras das escrituras, ele tem de relaxar pelo menos uma hora, e neste período haverá uma tal revolta dos pecados reprimidos, que ele acabará se sentindo no meio do inferno.
Assim, o fazendeiro ficou se vigiando rigorosamente para não falar das roupas. Imagine a situação. Se você for pelo menos um pouco religioso poderá imaginar seu estado mental. Se você já fez um juramento ou um voto, se já se reprimiu por alguma causa religiosa, compreenderá muito bem o estado lamentável de sua mente.
Ao chegarem à casa seguinte, o fazendeiro estava transpirando por todos os poros, exausto. O amigo também estava preocupado.
O fazendeiro estava completamente angustiado. Devagar, cuidadosa-mente, pronunciou cada palavra da apresentação: "Apresento meu amigo. E um velho amigo. Um homem muito bom".
Por um momento, vacilou. Um enorme impulso lhe veio de dentro. Ele sabia que estava sendo arrastado. Então, falou bem alto, abruptamente: "Quanto às roupas, perdoem-me, mas não direi nada sobre elas. Jurei que não diria nada sobre as roupas!"


O que aconteceu a esse homem acontece a todo o gênero humano. Por causa da condenação, o sexo tornou-se obsessão, doença, perversão. Ficou envenenado.
Desde os primeiros anos, as crianças são ensinadas a pensar que sexo é pecado. Uma menina e um menino crescem, chegam à adolescência e casam-se - então a jornada através da paixão se inicia com a convicção pre-determinada de que o sexo é pecado. Na Índia, também é dito à mulher que seu marido é Deus. Como pode ela reverenciar como Deus alguém que a to-ma em pecado? Ao rapaz é dito: "Esta é sua esposa, companheira e par-ceira". Mas se as escrituras dizem que a mulher é a porta para o inferno, a fonte dos pecados, o rapaz sente que tem por companheira de vida, um per-feito demônio. O rapaz pensa: "Esta é minha esposa - o limiar do inferno, um ser dirigido pelo pecado?" Como poderá haver qualquer harmonia em suas vidas?
Os ensinamentos tradicionais têm destruído a vida marital no mundo inteiro. Quando a vida conjugal é repleta de preconceitos, cheia de veneno, não há nenhuma possibilidade para o amor. Se um marido e uma esposa não podem se amar livremente, primária e naturalmente, então quem pode amar a quem? Mas esta situação de distúrbio pode ser modificada; o amor enlameado pode ser purificado. Esse amor pode ser levado a picos tão sublimes que romperá todas as barreiras, dissolverá todos os complexos, e marido e mulher mergulharão numa alegria pura e divina. Este amor sublime é possível. Mas se for cortado pela raiz, se for reprimido ou envenenado, o que crescerá a partir disso? Como poderá florescer daí uma rosa de amor supremo?

Osho

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