03 junho 2009

Comer, Amar e Morrer



CALANDRINO: Tessa, meu bem querer, chegue um pouquinho pra cá!

TESSA: Cê deixe de me atentar. O homem tá lá pra morrer!

CALANDRINO: E eu tô doido pra viver!

TESSA: Não, Calandrino, qué o que?

CALANDRINO: Tessa, minha querida, esse é o natural da vida: comer, amar e morrer



TESSA: Que falta de sorte! Mas para tudo existe um jeito. Já dei nó em pingo d'água, enfiei beijo em cordão. Já sequei o mar com a mão, já fiz o sul virar norte. Só não dei jeito pra morte. Mas não desisti 'inda não.




TOFANO: O que foi? Quer sentar? Eu conduzo assim tão mal?

ISABEL: O noivo dança com a noiva, é o natural.

TOFANO: Natural é a natureza, com essa não se discute.

TOFANO: Contra o sol, o vento, o amor, não é luta que se lute. Eu nunca nada implorei, a amigo ou inimigo, e palavra não diria que lembrasse coisa doce, se a sua beleza não fosse essa agonia e aflição, que obriga meu coração, para não morrer de míngua, a fazer da minha língua o arauto dessa paixão.





TESSA: Pro careca tem peruca, pro pecado, confissão. Pro corno existe a ilusão. Pro pobre, o dia de sorte. Só não vi jeito pra morte, mas não desisti 'inda não.



TESSA: Ninguém aqui traiu ninguém. Foi tudo só invenção.

FILIPINHO: Mentira, você quer dizer?

TESSA: Mas foi com boa intenção.

ISABEL: E vocês não têm piedade? Vocês não têm compaixão?

CALANDRINO: Pior se fosse verdade.

FILIPINHO: Que horror! Mas com que objetivo?

ISABEL: Pra que tamanha maldade?

TESSA: Pra esquentar vosso amor.

CALANDRINO: Deixar o fogo mais vivo!

ISABEL: Assim? Fazendo sofrer?

TESSA: A gente só dá o valor se tem medo de perder.

FILIPINHO: Pensei que ia morrer.

ISABEL E eu botei pra chorar.

CALANDRINO: Agora vocês se perdoam sem ter o que perdoar.



TOFANO: Que a beleza maior fique no escuro, configura crime contra a natureza, pois o belo, visto, e lembrado no futuro, provoca no homem o amor mais duro, revisitado, gera mais beleza.

MONNA: Engano seu. O amor nasce das sombras. Do que se imagina entre o escuro e a luz. Se queres o meu corpo e aos meus pés tu tombas, é só porque não podes ver quem te seduz.

(...)

TOFANO : Te amo... Te quero... És tudo... Por favor, quero te ver...

MONNA: Desejarás ter ficado mudo, no momento exato em que me conhecer.

TOFANO: Socorro!

MONNA: Vai...

TOFANO: Aaaaiii... Aaaiii...

TOFANO: Você? Como? Mas de que jeito?

MONNA: Eu mesma, Monna, prazer. Sua esposa de direito, agora também de fato.

TOFANO: Como foi que entrou no quarto?

MONNA: Pela porta, e por que não? Meu marido, minha casa, minha cama, meu colchão... Quem esperava chegar?

TOFANO: Esperava... Esperava... Esperava não lhe amar. Esperava morrer triste, sem nunca o amor achar. Da vida esperava pouco, queria nem esperar... Tudo mudou no momento em que eu descobri lhe amar.

MONNA: Mesmo? Que coisa boa... Parece uma outra pessoa...

TOFANO: Sou mesmo! Outro, por completo! A morte não foi em vão: a vontade de meu pai finalmente vem à tona. Casei com a senhora Monna, lhe dei um chão e um teto. Agora: filhos e netos!

MONNA: Que bom... Vindo de um marido... Isso hoje em dia é tão raro...

TOFANO: Seu amor me dá sentido, só agora vejo claro.

FILIPINHO: Paixão não é planta de roça, só cresce no natural.

ISABEL: Tantas voltas para encontrar o que tinha no quintal.

MASETTO: Que a paz, a concórdia e a alegria, brotem nos três casamentos.

CALANDRINO: São bons ventos...

MONNA: Quem diria...

TESSA: Diria que o amor é arte de ficar quando se parte e ver inteiro o que é parte. Que primeiro não é quinto, que parte do ovo é pinto e o pinto é parte do galo. Falo somente o que sinto, se falo é o mesmo que pinto e, se eu não sinto, me calo.

CALANDRINO: Do vinho restou um quinto, para nós sobrou um quarto, depois de rezar um terço, vai cada um pro seu berço, que nessa noite eu me farto! Eu muito falo e não minto, só digo o que é verdadeiro: a metade do que sinto já faz um amor inteiro.

MASETTO: Metade de zero é nada. Espero a mulher amada, que já de mim nada espera. Se o amor é uma quimera, melhor é ganhar a estrada, que o dobro de zero é nada e nada é o dobro de zero. Já não tendo o que mais quero, vale tratar de viver de forma mais reduzida: comer, amar e morrer, é bom resumo da vida.


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