12 outubro 2007

Análise no Congresso

Análise no Congresso
Brilhante diálogo entre os blogs de dois grandes professores -
Leonardo Ferrari e Sérgio Menezes - debatendo sobre a rápida venda dos exemplares da Playboy de Mônica Veloso nas bancas do Congresso.
Com a palavra, os mestres:

Blog do Menezes
Um Psicanalista, por favor
"Claro que não é só curiosidade, desejo ou, nesse caso, a previsível libido masculina. Mônica não é candidata a substituir a Gisele ou a Grazi, para citar dois exemplos, no imaginário do homem brasileiro médio. E a maioria dos deputados e senadores não passa disso: brasileiros médios, até abaixo da média, em alguns casos. Mas eles têm, como qualquer outro homem, outras motivações para fazer dessa edição da Playboy um sucesso instantâneo, pelos menos nas salas e corredores onde deveriam estar sendo observados e discutidos outros assuntos. Será ? Certamente, estou enganado. O assunto aqui não é trabalho. Então, sobre o que estamos falando ?Ferrari, por favor, me ajude. Não pode ser só isso. Freud, mais uma vez vai ter que explicar.P.S.: Leonardo Ferrari é psicanalista, professor e meu colega no UnicenP, para quem lancei um desafio: fazer um post juntos nos nossos blogs. O link do blog dele está ali na minha lista. Vamos ver o que ele tem a publicar. Depois, coloco aqui o que o Ferrari vai explicar com sua habitual elegância e contundência. Ao mesmo tempo, você confere no blog dele o desfecho desse sensacional mistério psicanalítico: por que a Playboy da Mônica foi um sucesso no Senado e na Câmara ? E, principalmente, por que até a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) viu as fotos da Mônica, nua, em seu laptop no plenário do Senado ?"
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Blog do Ferrari
O Outro Trem
"O meu amigo Sérgio Menezes, pilastra (!!!), publicitário e professor universitário, lançou um desafio em seu
blog que é o seguinte: escrevermos um texto juntos – como se ele escrevesse o primeiro capítulo e eu o segundo. Em seu blog, Sérgio escolheu a notícia quente sobre a edição da Playboy com Mônica Veloso que esgotou nas bancas do Congresso em Brasília. Pois aqui vai o capítulo dois desta idéia genial do Sérgio.Caro Sérgio e leitores, essa notícia me lembrou a cena inesquecível do filme “Memórias” (“Stardust Memories”, 1980) de Woody Allen em que ele está andando num vagão de trem numa direção e, subitamente, ele vê um vagão andando na direção contrária do dele, porém cheio de mulheres bonitas, homens alegres, música, uma festa só, enquanto que em seu vagão não acontece nada, não há nenhuma mulher com quem ele possa ficar e assim por diante. É uma representação maravilhosa da miséria neurótica de se acreditar que o outro sim conseguiu algo, o outro chegou “lá”, o outro tem algo que eu não tenho. Mônica Veloso é o nome desse gozo a mais, desse gozo extraordinário – não mais aquele ordinário do cotidiano (representado nesta história por aquela incrível esposa do senador) –, Mônica é o gozo que todos os neuróticos acreditam existir na vida do perverso. Ora, a absolvição deste senador se deve muito a isso. Quem foi absolvido? Não foi só o senador, mas sim essa idéia de que é possível chegar lá, nesse extraordinário lugar de uma completude total, custe o que custar – inclusive venha o dinheiro de onde vier. É toda a lógica fálica masculina em jogo aqui: quem tem o pau maior, quem come mais mulheres e, principalmente, quem fala disso o tempo todo nos cafés, nos gabinetes, naquelas infinitas reuniões – o sexo sem palavras depois, e antes, e durante, não tem graça.Caro Sérgio, é contigo agora. Um abraço."
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Blog do Menezes
A Outra Miséria
"Não bastassem todas as misérias e mazelas com as quais temos que conviver, o Ferrari apontou mais uma no seu blog, dando seqüência ao nosso mote e glosa eletrônico. O mote: edição da revista Playboy da Mônica Veloso esgotou, em poucas horas, nas bancas do Congresso Nacional. A glosa: miséria neurótica. Perfeito, Ferrari – e não esperava menos desse atento observador dos desvios recônditos da alma e do inconsciente humanos que nos tornam grandes ou incrivelmente pequenos e primários.A imagem do trem no filme de Woody Allen é brilhante para demonstrar aquilo que eu não tenho e nunca terei. O senador teve. Os outros, losers, não tiveram. Azar deles. Quem parece mandar nesse mundo é quem tem, quem chega lá, como diz o Ferrari, ironicamente. O senador chegou – e por isso foi absolvido. É simples. Entenda, meu caro leitor: é uma lógica cruel e imperfeita. Naquele lugar, que me recuso a dizer o nome, para onde depositamos o nosso voto, o que conta é o gozo. Não valem as preocupações ordinárias do meu, do seu e do nosso cotidiano. Para homens como o senador absolvido e seus asseclas isso não tem graça, não tem charme, é coisa de perdedores, não é excitante – se é que vocês me entendem.Nessa sessão plenária que aconteceu nas bancas e corredores do Congresso, em que a pauta era uma revista masculina, o voto também foi secreto: os políticos mandaram assessores comprar a revista para não aparecerem.O outro trem a que se refere o Ferrari está sempre cheio. O nosso não tem graça nenhuma. Mas o trem deles tem só um vagão. O nosso tem vários.Valeu, Ferrari."
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Blog do Ferrari
Vagões
"Meu querido amigo Sérgio Menezes me responde em seu
blog sobre essa lógica cruel e imperfeita que separa o mundo entre os poucos winners e os muitos losers. Isso me faz pensar também sobre o fascínio que o perverso exerce sobre os neuróticos – por exemplo, por que Fernando Collor de Mello teve o “sucesso” eleitoral que teve – e que continua tendo (foi eleito senador recentemente), por que Paulo Maluf continua tendo popularidade...e voto, por que Silvio Berlusconi na Itália já foi primeiro-ministro e ameaça conseguir de novo o poder, por que George W. Bush conseguiu se reeleger nos Estados Unidos, enfim, a lista é longa – nem vou citar Hitler em uma Alemanha cultíssima na época. Mas não é só na política não. E a lista desses “grandes” empresários, grandes “empreendedores”, grandes “banqueiros”, de sujeitos que passam a vida pensando em como comprar por cem e vender por duzentos (frase de Samuel Klein, fundador, “CEO” da Casas Bahia), em como emprestar cinco e receber quinhentos? A perversão é justamente esse fascínio por esse suposto “winner”, “vencedor”, que ostenta uma fachada de poder sobre a vida e sobre a morte – para o neurótico, o perverso não tem dor de barriga, o perverso não bate o carro, o perverso não perde nenhuma partida, o perverso é Deus, é o “painho”, é o mais “rico” do mundo, é o “realizador”, é o “empreendedor” do ano. Ora, Sérgio traz uma metáfora muito bonita ao dizer que enquanto o trem do perverso tem um só vagão, o trem do neurótico tem vários. Pois é. O perverso é um pobre diabo correndo sempre desesperadamente por esse a mais de gozo, esse centímetro a mais para ostentar, para mostrar, para dar a ver, sem descanso, sem parada, nesse solitário vagão de sua miséria. A miséria da perversão se chama impossibilidade – a impossibilidade de chegar nesse gozo sonhado, daí todo o patético do perverso fazendo um esforço descomunal para tentar garantir que já chegou, que já gozou. Já na neurose, de fato há como circular por vários vagões – os vagões da metonímia, inclusive deixando esse lugar de espectador do gozo perverso para tentar experimentar, nos outros vagões, o que se pode com os gozos ordinários. Fazer do ordinário uma obra e até uma obra de arte, eis o desafio da neurose. Aproveitar a viagem – mais do que esse mítico ponto final."

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