14 abril 2008

Incomunicabilidade

A Gazeta do Povo de hoje publicou uma excelente entrevista da escritora Lya Luft. Segue os melhores momentos:

"O silêncio nem sempre acalma, acomoda, pacifica. Em suas entranhas, existe, muitas vezes, um poder corrosivo que destrói até a mais inquebrantável das relações. Interessada na incomunicabilidade que muitas vezes surpreende pessoas que se amam, a escritora Lya Luft produziu um punhado de contos que, reunidos, formam o volume O Silêncio dos Amantes, que a editora Record acaba de lançar. Tratava-se, originalmente, de um romance, que não se sustentou como tal e, fragmentado, resultou em 20 contos, costurados por uma mesma dor: a incompreensão que subitamente nasce em relações aparentemente bem estabelecidas.
"Conto também sobre o amparo que certas pessoas necessitam e que, por um motivo ou outro, não recebem no tempo certo", (...). Nesse caminho, trilham histórias como a do rapaz incompreendido pelos pais e que desaparece misteriosamente (voando, reza uma lenda); ou do menino que não se sente encaixado no mundo por ser anão. Histórias cujo destino não seria trágico se uma frase, aquela esperada, fosse dita. (...)

As histórias continuam como uma biografia de suas inquietações e assombramentos, como você disse certa vez?
Sim, não é minha vida, que é bem simples - tive uma infância feliz, tranqüila. Não tive uma mãe alcoólica, nem um filho anão (risos). São assuntos que me incomodam, me fascinam, a questão da incomunicabilidade: a palavra que você não disse quando devia ter falado e a palavra que você disse quando devia ter-se calado. A grande dificuldade dos relacionamentos humanos se baseia em grande parte na incomunicabilidade, da forma que você vê o outro e como isso pode provocar o preconceito. Daí vem a origem de meus personagens: o anão, a autodestruição da mãe alcoólica, o marido suicida. Quanto conhecemos do outro com quem convivemos? Boa parte da arte universal surgiu a partir dessa questão sobre quem é o outro.
(...)

Essa inquietação é percebida ao longo de sua obra: a busca por uma resposta que nunca vem...
E, por não entender isso, acabo escrevendo. Sempre a questão das relações humanas, o drama da existência, que tanto pode ser fascinante como cruel. Escrevi uma coluna sobre o mal de Alzheimer, o mistério de uma pessoa que entra em um outro mundo onde você não a acompanha mais. É algo trágico, inexorável. Minha mãe morreu desse mal depois de muitos anos. Por isso que a vida é bela e cruel.

O medo da incomunicabilidade atinge principalmente os escritores?
Nunca pensei nisso. A literatura é um território muito feliz para mim. Nunca pensei em ser compreendida, pois a arte não pode ser compreendida, mas perseguida. Ela deve desencadear em qualquer tipo de leitor a sua possibilidade de emoção e de criação do pensamento. Não me preocupo em ser lida ou mesmo compreendida.

E o que você me diz da incomunicabilidade no silêncio?
Ninguém nunca se comunica perfeitamente, tampouco é inteiramente compreendido. É o que torna a vida interessante.

Mas não é uma fonte de tristezas?
Não, porque o mistério torna o outro interessante. Veja os relacionamentos amorosos e familiares, que nos são mais próximos. Se você conhece tudo sobre o outro, a vida se tornaria um tédio completo. Nem renderia boas histórias para a literatura. Trato bem disso em uma das histórias, O Que a Gente Não Disse, sobre a mulher que se surpreende quando o marido se suicida: ela acreditava conhecer tudo sobre ele, mas não sabia do essencial. Não vejo, portanto, apenas crueldade e tristeza no silêncio, mas também momentos engraçados, ternos. O que pretendo sempre é, ao narrar essas histórias, mesmo as mais difíceis, fazer com muita poesia."

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