Num artigo anterior afirmávamos que a atual crise mais que econômico-financeira é uma crise de humanidade. Atingiram-se os fundamentos que sustentam a sociabilidade humana – a confiança, a verdade e a cooperação - destruídos pela voracidade do capital. Sem eles é impossível a política e a economia. Irrompe a barbárie. Queremos levar avante esta reflexão de cariz filosófico, inspirados em dois notáveis pensadores: Karl Marx e Max Horkheimer. Este último foi proeminente figura da escola de Frankfurt ao lado de Adorno e Habermas. Antes mesmo do fim da guerra, em 1944, teve a coragem de dizer, em palestras na Universidade de Colúmbia nos EUA, publicadas sob o titulo Eclipse da Razão (no Brasil 1976) que pouco adiantava a vitória iminente dos aliados. O motivo principal que gerou a guerra continuava atuante no bojo da cultura dominante. Seria o seqüestro da razão para o mundo da técnica e da produção, portanto, para o mundo dos meios, esquecendo totalmente a discussão dos fins. Quer dizer, o ser humano já não se pergunta por um sentido mais alto da vida. Viver é produzir sem fim e consumir o mais que pode. É um propósito meramente material, sem qualquer grandeza. A razão foi usada para operacionalizar esta voracidade. Ao submeter-se, ela se obscureceu deixando de colocar as questões que ela sempre colocou: que sentido tem a vida e o universo, qual é o nosso lugar? Sem estas respostas só nos resta a vontade de poder que leva à guerra como na Europa de Hitler.
Algo semelhante dizia Marx no terceiro livro do Capital. Ai deixa claro que o ponto de partida e de chegada do capital é o próprio capital em sua vontade ilimitada de acumulação. Ele visa o aumento sem fim da produção, para a produção e pela própria produção, associada ao consumo, em vista do desenvolvimento de todas as forças produtivas. É o império dos meios sem discutir os fins e qual o sentido deste tresloucado processo. Ora, são os fins humanitários que sustentam a sociedade e conferem propósito à vida. Bem o expressou o nosso economista-pensador Celso Furtado:"O desafio que se coloca no umbral do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização, deslocar o eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em função do bem estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos”(Brasil: a construção interrompida,1993,76).
Não foi isso que os ideólogos do neo-liberalismo, da desregulação da economia e do laissez-faire dos mercados nos aconselharam. Eles mentiram para toda a humanidade, prometendo-lhe o melhor dos mundos. Para essa via não existiam alternativas, diziam. Tudo isso foi agora desmascarado, gerando uma crise que vai ficar ainda pior.
A razão reside no fato de que a atual crise se instaurou no seio de outras crises ainda mais graves: a do aquecimento global que vai produzir dimensões catastróficas para milhões da humanidade e a da insustentabilidade da Terra em conseqüência da virulência produtivista e consumista. Precisamos de um terço a mais de Terra. Quer dizer, a Terra já passou em 30% sua capacidade de reposição. Ela não agüenta mais o crescimento da produção e do consumo atuais como é proposto para cada pais. Ela vai se defender produzindo caos, não criativo, mas destrutivo.
Aqui reside o limite do capital: o limite da Terra. Isso não existia na crise de 1929. Dava-se por descontada a capacidade de suporte da Terra. Hoje não: se não salvarmos a sustentabilidade da Terra, não haverá base para o projeto do capital em seu propósito de crescimento. Depois de haver precarizado o trabalho, substituindo-o pela máquina, está agora liquidando com a natureza.
Estas ponderações aparecem raramente no atual debate. Predomina o tema da extensão da crise, dos índices da recessão e do nível de desemprego. Neste campo os piores conselheiros são os economistas, especialmente os ministros da Fazenda. Eles são reféns de um tipo de razão que os cega para estas questões vitais. Há que se ouvir os pensadores e os que ainda amam a vida e cuidam da Terra.
Leonardo Boff
Algo semelhante dizia Marx no terceiro livro do Capital. Ai deixa claro que o ponto de partida e de chegada do capital é o próprio capital em sua vontade ilimitada de acumulação. Ele visa o aumento sem fim da produção, para a produção e pela própria produção, associada ao consumo, em vista do desenvolvimento de todas as forças produtivas. É o império dos meios sem discutir os fins e qual o sentido deste tresloucado processo. Ora, são os fins humanitários que sustentam a sociedade e conferem propósito à vida. Bem o expressou o nosso economista-pensador Celso Furtado:"O desafio que se coloca no umbral do século XXI é nada menos do que mudar o curso da civilização, deslocar o eixo da lógica dos meios a serviço da acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em função do bem estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos”(Brasil: a construção interrompida,1993,76).
Não foi isso que os ideólogos do neo-liberalismo, da desregulação da economia e do laissez-faire dos mercados nos aconselharam. Eles mentiram para toda a humanidade, prometendo-lhe o melhor dos mundos. Para essa via não existiam alternativas, diziam. Tudo isso foi agora desmascarado, gerando uma crise que vai ficar ainda pior.
A razão reside no fato de que a atual crise se instaurou no seio de outras crises ainda mais graves: a do aquecimento global que vai produzir dimensões catastróficas para milhões da humanidade e a da insustentabilidade da Terra em conseqüência da virulência produtivista e consumista. Precisamos de um terço a mais de Terra. Quer dizer, a Terra já passou em 30% sua capacidade de reposição. Ela não agüenta mais o crescimento da produção e do consumo atuais como é proposto para cada pais. Ela vai se defender produzindo caos, não criativo, mas destrutivo.
Aqui reside o limite do capital: o limite da Terra. Isso não existia na crise de 1929. Dava-se por descontada a capacidade de suporte da Terra. Hoje não: se não salvarmos a sustentabilidade da Terra, não haverá base para o projeto do capital em seu propósito de crescimento. Depois de haver precarizado o trabalho, substituindo-o pela máquina, está agora liquidando com a natureza.
Estas ponderações aparecem raramente no atual debate. Predomina o tema da extensão da crise, dos índices da recessão e do nível de desemprego. Neste campo os piores conselheiros são os economistas, especialmente os ministros da Fazenda. Eles são reféns de um tipo de razão que os cega para estas questões vitais. Há que se ouvir os pensadores e os que ainda amam a vida e cuidam da Terra.
Leonardo Boff
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