"O nome da crise não é mais Renan Calheiros. O caos agora se chama Senado da República. Ao absolver um presidente indefensável, os senadores comprovaram a existência de um par de axiomas indubitáveis: 1) só há duas formas de fazer política, as ruins e as muito piores; 2) a exemplo dos indivíduos, também as instituições pretensamente republicanas podem cometer suicídio.
Dias antes da votação secreta, o líder tucano Arthur Virgílio dissera que, no escurinho do plenário, longe dos holofotes e das câmeras da TV Senado, a sessão sigilosa em que Renan Calheiros seria julgado se transformaria numa espécie de “terapia de grupo”.
De fato, o Senado converteu-se nesta quarta-feira num imenso centro terapêutico. Deveria tratar a demência de seu presidente. Mas, ao dar alta a Renan, 40 senadores deitaram, eles próprios, no divã. Pior: convidaram toda a sociedade a compartilhar de sua esquizofrenia, num sacrifício coletivo das evidências.
O Brasil foi intimado a fingir-se de louco. O Senado pede ao país que esqueça as notas frias, os bois voadores, os frigoríficos de fancaria, o lucro agropecuário fictício, os pagamentos feitos com dinheiro vindo sabe-se lá de onde, o empréstimo não declarado à Receita, a rádio e o jornal adquiridos em moeda sonante e por meio de laranjas... Nada disso existiu, eis o que informa o Senado. Tudo não passou de uma alucinação coletiva.
Restou demonstrado que os políticos brasileiros não se sentem pessoas públicas. Eles pedem à nação que pare de atrapalhar suas vidas privadas. Recomendam ao eleitor que aceite, compulsoriamente, a tese de que o presidente do Senado é um homem bom. Aconselham aos jornalistas que deixem de fazer perguntas incômodas –O que o senador comeu hoje? Ou, por outra: Quem ele comeu ontem?
O país deve aceitar, babando na camisa, a existência de um patrimonialismo docemente arcaico, alegremente eterno. Ficou estabelecido que, no universo psicanalítico do Senado, é o privado que rege o público. E os senadores não devem nada a ninguém. Muito menos explicações.
Diante de um Renan que bate na barriga e diz “Brasília é a minha Murici”, não resta ao cidadão em dia com o fisco senão ouvir, respirar fundo, e seguir em frente, fingindo uma patológica normalidade. Seja maluco, caro leitor. E não encha mais o saco.
Ao optar pelo impasse, ao dar sobrevida à crise, o Senado virou as costas para a sensatez, fez uma opção pela delinqüência, deu as mãos à desmoralização. Há muito não se via um ataque tão frontal à democracia. A política vai se consolidando como um parafuso espanado. Roda a esmo, incapaz de dar solução às suas próprias crises. Que não reclamem depois das loucas divagações berzoínicas, do desvario de um Brasil sem Senado. Os senadores suicidaram o Senado."
Dias antes da votação secreta, o líder tucano Arthur Virgílio dissera que, no escurinho do plenário, longe dos holofotes e das câmeras da TV Senado, a sessão sigilosa em que Renan Calheiros seria julgado se transformaria numa espécie de “terapia de grupo”.
De fato, o Senado converteu-se nesta quarta-feira num imenso centro terapêutico. Deveria tratar a demência de seu presidente. Mas, ao dar alta a Renan, 40 senadores deitaram, eles próprios, no divã. Pior: convidaram toda a sociedade a compartilhar de sua esquizofrenia, num sacrifício coletivo das evidências.
O Brasil foi intimado a fingir-se de louco. O Senado pede ao país que esqueça as notas frias, os bois voadores, os frigoríficos de fancaria, o lucro agropecuário fictício, os pagamentos feitos com dinheiro vindo sabe-se lá de onde, o empréstimo não declarado à Receita, a rádio e o jornal adquiridos em moeda sonante e por meio de laranjas... Nada disso existiu, eis o que informa o Senado. Tudo não passou de uma alucinação coletiva.
Restou demonstrado que os políticos brasileiros não se sentem pessoas públicas. Eles pedem à nação que pare de atrapalhar suas vidas privadas. Recomendam ao eleitor que aceite, compulsoriamente, a tese de que o presidente do Senado é um homem bom. Aconselham aos jornalistas que deixem de fazer perguntas incômodas –O que o senador comeu hoje? Ou, por outra: Quem ele comeu ontem?
O país deve aceitar, babando na camisa, a existência de um patrimonialismo docemente arcaico, alegremente eterno. Ficou estabelecido que, no universo psicanalítico do Senado, é o privado que rege o público. E os senadores não devem nada a ninguém. Muito menos explicações.
Diante de um Renan que bate na barriga e diz “Brasília é a minha Murici”, não resta ao cidadão em dia com o fisco senão ouvir, respirar fundo, e seguir em frente, fingindo uma patológica normalidade. Seja maluco, caro leitor. E não encha mais o saco.
Ao optar pelo impasse, ao dar sobrevida à crise, o Senado virou as costas para a sensatez, fez uma opção pela delinqüência, deu as mãos à desmoralização. Há muito não se via um ataque tão frontal à democracia. A política vai se consolidando como um parafuso espanado. Roda a esmo, incapaz de dar solução às suas próprias crises. Que não reclamem depois das loucas divagações berzoínicas, do desvario de um Brasil sem Senado. Os senadores suicidaram o Senado."
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