15 março 2009

Até o vitorioso pode ser vencido pela vitória



Aconteceu na Polônia. Durante o “show de talentos” na televisão, chamado “So you think you can dance” [“Então você pensa que pode dançar”], a candidata Anna Kasprzak, após receber a nota 10 e passar para a próxima etapa do concurso, ficou tão contente, mas tão contente que, na comemoração, se jogou para fora do palco, caindo e se machucando. Eis aqui uma aula magistral sobre o conceito de divisão do sujeito – a grande descoberta de Freud. O que é a divisão do sujeito? É querermos fazer algo de um jeito e fazermos diferente do que pensamos, às vezes até ao contrário do que planejamos...sem querer. Em outras palavras, o sujeito que comemora a vitória não é o mesmo que cai. E, no entanto, ambos habitam o mesmo corpo. Logo, uma verdade se estabelece: há algo mais forte que a consciência, há algo que contraria a consciência, há algo que por mais que a consciência não queira, se impõe, predomina, derruba completamente a força de vontade. Sobre isso, Freud legou à humanidade uma das pesquisas mais belas de sua história. Se chama “Alguns Tipos de Caráter Elucidados pelo Trabalho Psicanalítico” (1916) e está publicado no volume 14 de suas Obras Completas. O segundo capítulo desse trabalho recebe o título de “Os que fracassam ao triunfar”. Magnífico! Se Freud só tivesse escrito isso, já seria gênio. Freud demonstra aí que não há nada mais perigoso para o ser humano do que o sucesso, do que a nota dez. Há no dez uma idéia de completude, uma idéia de nada mais faltar – ora, nada mais faltar é o que caracteriza justamente...a morte. Por outro lado, nessa pesquisa Freud começa a investigar o que mais tarde vai chamar de “supereu”, ou seja, uma instância psíquica, um lugar psíquico presente no discurso de cada um – repito, no discurso, na fala de cada um e não, como acreditam os neurologistas, em algum lugar do cérebro. Por exemplo, eu tenho certeza que irão submeter Anna a uma série de tomografias e exames de sangue e que os resultados darão...negativo. Brincando com a história da psicanálise, o resultado será Anna O...negativo! Uma das funções do supereu é medir constantemente o sujeito, é verificar o quanto ele se aproxima ou se distancia do “ideal”. O paradoxal é que mesmo quando o sujeito supostamente chega lá...no ideal, o “supereu” não se satisfaz e exige mais – tendo esse “mais”muitas vezes a característica de uma punição, de um castigo, como esse de Anna. É isso que levou Lacan a denominar essa característica de “face feroz e obscena do supereu”, ao exigir do sujeito o gozo. Gozo, não o prazer. A Anna que tem prazer com o resultado do teste não é a mesma Anna que goza se jogando no abismo. O gozo é aquilo que está além do prazer, o contraria, é mesmo o avesso do prazer.
Leonardo Ferrari

Um comentário:

Just B. disse...

O problema é não ir adiante por medo do sucesso ou ter o gozo no fracasso.
E o pior de tudo: como mudar isso ???