02 agosto 2010

A CARTA NO CAMINHO



Adeus, mas comigo
será, irá dentro
uma gota de sangue circulando em minhas veias
ou fora delas, um beijo que queima o meu rosto
ou cinturão de fogo na minha cintura.
Minha doce, recebe
o grande amor que saiu da minha vida
e que em você não encontrava abrigo
como o explorador perdido
nas ilhas do pão e do mel.
Encontrei-a depois da tempestade
a chuva lavou o ar
e na água seus doces pés brilhavam como peixes.

Amada, estou indo para os meus combates.

Cave a terra para fazer uma caverna
e ali o seu capitão
estará esperando com flores nos lençóis.
Não pense mais, minha doce,
no tormento
que
aconteceu entre nós,
como um fósforo aceso.
Deveríamos, talvez, deixar essa sua queimadura.
A paz chegou, também, porque eu voltei
a lutar em minha terra.
E como eu tenho coração completo
com a parte do sangue que você me deu
para sempre,
e como
levo
as mãos cheias de seu ser despido
Olhe-me
Olhe-me
Veja-me através do mar, que vou radiante
Veja-me através da noite em que navego,
e do mar e da noite são seus olhos.
Eu não te deixei quando fui embora.
Agora vou dizer-te:
minha terra será sua
irei conquistá-la
não só para te dar,
mas para todos
para todos os meus.
O mal sairá desta torre um dia.
E o invasor será expulso.
Todos os frutos da vida
crescerão em minhas mãos
usadas antes da pólvora.
E saberei tocar novas flores
porque você me ensinou a ternura.
Minha doce amada,
venha comigo lutar corpo a corpo
porque em meu coração vivem seus beijos
como bandeiras vermelhas
e se eu cair, não serei sozinho
a terra não me cobrirá
sem esse grande amor que me trouxe
e que viveu circulando em meu sangue.
Venha comigo,
nessa hora eu te espero,
nessa e em todas as horas,
em todas as horas te espero.
E quando a tristeza, que eu odeio,
bater à sua porta
diga que eu te espero
E quando a solidão quiser mudar
o meu nome que está escrito em seu anel
Diga para a solidão que fale comigo
Diga que tive que ir embora
porque
sou um soldado
e que onde eu estiver,
na chuva ou sob
fogo,
meu amor, eu vou te esperar,
Esperarei nos piores desertos
ou junto a um limoeiro florecido
Em todas as partes onde houver vida,
Onde a primavera nascer,
meu amor, eu te esperarei.
Quando disserem: "Esse homem
não te ama ", lembra que
meus pés estarão sós nessa noite e buscarão
os doces e pequenos pés que eu adoro.
Amor, quando te disserem
que te esqueci, e mesmo quando
eu disser,
não acredite em mim
Quem e como poderíam
cortar você do meu peito?
E quem receberia
meu sangue
quando sangraria por você?
Mas eu não posso
esquecer os meus.
Vou lutar em cada rua,
por trás de cada pedra.
Seu amor também me ajuda:
É uma flor fechada
que sempre se enche de aroma
e de repente se abre
dentro de mim como uma grande estrela.

Meu amor, é noite.

A água negra, o mundo
adormecido ao meu redor.
Logo virá o amanhecer
e enquanto isso eu estou escrevendo
para dizer "te amo".
Para dizer "eu te amo, cuide-se,
limpe-se,
defende
o nosso amor, Alma Minha.
Eu o deixei como se deixasse
um punhado de terra com sementes.
Do nosso amor nascerão vidas.
No nosso amor beberão água.
Talvez chegará um dia
em que um homem
e uma mulher, como
nós,
tocarão esse amor, e ele ainda terá força
para queimar as mãos de quem tocá-lo.
Quem o tocará? Importa?
Tocarão este fogo
e este fogo, minha doce, dirá apenas o seu nome
e o meu nome
para que só você sabia, porque só você
na Terra sabe
quem eu sou, e porque ninguém me conhece
como a palma das suas mãos
porque ninguém
sabe como e nem quando
meu coração estava ardendo:
tão só
seus grandes olhos castanhos que eu conhecia,
a boca,
sua pele, seus seios,
seu ventre, seu interior
e a alma que eu despertei
para ficar
cantando até o fim da vida.

Amor, eu espero.

Adeus, amor, eu espero.

Amor, amor, eu espero.

E assim, esta carta é concluída
sem tristeza:
meus pés estão firmes na terra,
a minha mão a escrever esta carta na estrada,
e no meio da vida estarei,
sempre,
junto com meus amigos, enfrentando o inimigo,
com o seu nome na boca
e um beijo que jamáis
se afastou da nossa casa.



Pablo Neruda

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