Quem leu com atenção a reportagem sobre Mulheres de 20, publicada esta semana no site de Época, deve ter notado uma informação para mim estarrecedora - a de que o número de parceiros sexuais das mulheres brasileiras no período entre 18 e os 40 anos é 1,5. Isso quer dizer que ao longo de um período de 22 anos, no esplendor da sua vida sexual, as mulheres dizem ter transado, em média, com menos de dois homens.
Diante de um número como esse, eu sou levado a pensar duas coisas.
A primeira é que eu vivo num universo social que não guarda qualquer relação com aquele em que vive a maioria das brasileiras. Não conheço nenhuma mulher que aos 40 anos tenha transado com apenas dois homens. Todo mundo com que eu converso já teve um número de parceiros muito maior, muito antes dos 40.
A outra coisa que essa estatística me sugere é que as mulheres mentem. Mesmo diante de uma pesquisa que promete anonimato e sigilo, elas talvez se sintam compelidas a parecer mais castas – muito mais castas – do que realmente são. Por que fariam isso? Para evitar discriminação. Se a sociedade é conservadora, não é o caso de sair apregoando por aí o número de seus parceiros sexuais. Não vai faltar quem chame de vagabunda uma mulher que seja livre.
Qual seria a realidade, então: a da mentira ou a do número reduzido de parceiros? Eu realmente não tenho opinião definitiva e aceito palpites inspirados sobre o assunto.
Mas, qualquer que seja a realidade estatística, a quantidade de parceiros é um assunto extremamente interessante. Ontem, falando sobre ele, lembrei de uma cena de Quatro casamentos e um funeral, aquela em que os personagens de Andie MacDowell e Hugh Grant conversam numa lanchonete sobre a experiência sexual de cada um. Ela vai fazendo as contas e conclui que já transou com 32 caras (“menos que Madonna, mais que princesa Diana”). Ele, sendo o personagem de sempre de Hugh Grant, não tem quase nada pra contar. E fica com cara de tonto. A cena deliciosa está no YouTube, infelizmente sem legendas em português.
Esse diálogo de filme resume, com elegância e delicadeza, a minha percepção sobre esse assunto: a de que os homens só têm a ganhar ao se envolver com mulheres experientes. Elas são atraentes, o sexo tende a ser melhor e as vivências anteriores facilitam o convívio. As mulheres com repertório são capazes de avaliar a qualidade do que experimentam. Gente sem experiência nem percebe que está diante de algo bacana – ou de uma coisa especialmente ruim.
Atenção: não estou defendendo a quantidade a qualquer custo. Experimentação é legal desde que aconteça no ritmo de cada um. Algumas pessoas começarão a transar aos 18 anos e chegarão aos 30 tendo tido 60 parceiros. Parece muito? São cinco por ano. Outros chegarão à idade adulta tendo o mesmo parceiro desde a adolescência, ou quase. O que é emocionalmente mais saudável? Depende da personalidade e da experiência de cada um.
A maneira à vezes insincera com que as mulheres agem em relação ao próprio passado está ligada ao comportamento dos homens. Muitos – talvez a maioria – não ficam confortáveis com a mulher que teve muitos parceiros. Está rodada, ouvi uma vez. Espera-se que o homem se apresente maduro e vivido diante das suas companheiras de sexo. Das mulheres, muitas vezes, se espera o contrário. O resultado dessas expectativas contraditórias é a mentira. O homem finge que sabe mais do que realmente sabe. A mulher esconde o que já fez.
O comportamento feminino reflete a lógica masculina. Eles adoram se gabar das suas conquistas, mas olham com estranheza para uma mulher que faça o mesmo. Então elas fazem cara de ingênua e não contam o que já fizeram antes dele. Os homens são públicos, quase grosseiros em discorrer sobre as suas preferências estéticas e sexuais, mas acham vulgar que as mulheres façam isso. Então elas se calam e deixam a gente pensar que são delicadas. E por aí vai. Acho que boa parte do que os misóginos chamam de “hipocrisia feminina” é resultado desse mal entendido, do teatro que as mulheres encenam para corresponder às expectativas injustas dos homens. Se eles dessem espaço para que elas falassem livremente teriam menos surpresas.
Mas é verdade que mesmo homens que não são machistas ficam um pouco ansiosos com o passado das mulheres com as quais se envolvem. É importante saber sobre os seus antecessores, mas a informação pode ser inquietante. Seres humanos tendem a funcionar por comparação e analogia, e nem sempre elas são favoráveis aos que chegam. Às vezes o cara anterior tinha muito dinheiro, ou era famoso, ou se tratava de um tremendo conquistador. E isso provoca insegurança. Ou então a mulher vem de um caso tórrido, de uma paixão arrebatadora, e você fica se perguntando se aquilo realmente já acabou. Nem sempre é fácil.
Minha experiência sugere que o problema de verdade não é a quantidade de parceiros, mas a qualidade de um deles. É aquele fulano específico, por ter isso ou ter aquilo, por ser assim ou assado, que pode causar insegurança masculina e atrapalhar a relação. Se a mulher já transou com 10, 30, 60 ou 90, que diferença isso faz? A meu ver, nenhuma.
Quem já teve muitos parceiros, de um jeito legal, traz para o namoro ou o casamento uma intensidade de sentidos e um vocabulário erótico maiores, que tornam mais densa e surpreendente a vida sexual. O sexo é um terreno em que os horizontes sempre podem ser ampliados. Alguns casais começam quase do zero e vão avançando juntos. Outros somam as experiências autônomas dos parceiros para avançar. Qualquer método é bom, mas eu acho o segundo mais divertido – e mais contemporâneo.
Ivan Martins, diretor executivo da Época
Um comentário:
Excelente texto!
Parabéns pela postagem, amor!
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