30 agosto 2007

Voto aberto

"A condição mais substancial do voto é a sua liberdade. Sem liberdade não há voto."
Rui Barbosa

Discutir se os votos na Comissão de Ética sobre o caso de quebra de decoro de Renan serão ou não secretos é um absurdo. Não faz sentido algum um representante legalmente eleito votar secretamente. Seus eleitores têm todo direito de saber a postura de seus políticos. Eles estão lá para tomar decisões por nós. Como pode ser secreta essa decisão? A única ameaça ai é para quem tem o rabinho preso com o presidente do senado. E que não são poucos, diga-se de passagem. Mas argumentar que o voto aberto tira a liberdade do congressista é o fim da picada. O sujeito vestiu a carapuça e se auto-condenou.

28 agosto 2007

Ler é preciso.


Librarian, de Giuseppe Arcimboldo, em 1566

"Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem."
Mário Quintana

26 agosto 2007

Caminhos

The Meeting, de Gustave Courbet, em 1854.

"O futuro tem muitos nomes. Para os fracos, é o inatingível. Para os temerosos, o desconhecido. Para os valentes é a oportunidade."
Victor Hugo

23 agosto 2007

A função das roupas


"A nudez habitual, dada a multiplicação das obras e dos cuidados do indivíduo, tenderia a embotar os sentidos e a retardar os sexos, ao passo que o vestuário, negaceando a natureza, aguça e atrai as vontades, ativa-as, reprodu-las, e conseguintemente, faz andar a civilização."
Machado de Assis - Memórias Póstumas de Brás Cubas

Fotos de André Brito


p.s.: não deixa de ser uma futura homenagem a Mônica Veloso, pela sua aparição em uma certa revista Playboy.

22 agosto 2007

Conhece-te!

Noato Hatori
.
"Lembre-se que há uma grande diferença entre aquele a quem os deuses julgam tolo e aquele que parece tolo aos olhos dos homens. É possível ignorar inteiramente todas as formas que a arte pode assumir em suas diversas manifestações ou processos de evolução do pensamento, o esplendor de um verso latino, a musicalidade tão cheia de vogais do idioma grego, da escultura toscana ou da canção elizabetana e ainda assim estar cheio da mais doce sabedoria. O verdadeiro tolo, de quem os deuses zombam e a quem tentam destruir, é aquele que não conhece a si próprio. Durante muito tempo eu fui um deles. Você também: deixe de sê-lo. Não tenha medo. O supremo pecado é a superficialidade. Tudo que é realizado, é certo."
Oscar Wilde



20 agosto 2007

O Brasil acabou

"O Brasil é isso mesmo que está aí
O terrível parecer, de alguém que conhece o assunto, reforça uma sensação que paira no ar
Os distraídos talvez ainda não tenham percebido, mas o Brasil acabou. Sinais disso foram se acumulando, nos últimos meses: a falência do Congresso e de outras instituições, a inoperância do governo, a crise aérea, o geral desarranjo da infra-estrutura. A esses fatores, evidenciados por acontecimentos recentes, somam-se outros, crônicos, como a escola que não ensina, os hospitais que não curam, a polícia que não policia, a Justiça que não faz justiça, a violência, a corrupção, a miséria, as desigualdades. Se alguma dúvida restasse, ela se desfaz no parecer autorizado como poucos de um Fernando Henrique Cardoso, cujas credenciais somam oito anos de exercício da Presidência da República a mais de meio século de estudo do Brasil. "Que ninguém se engane: o Brasil é isso mesmo que está aí", declara ele, numa reportagem de João Moreira Salles na revista Piauí.
Ora, direis, como afirmar que o Brasil acabou? Certo perdeste o senso, pois, se estamos todos ainda morando, comendo, dormindo, pagando as contas, indo às compras, nos divertindo, sofrendo, amando e nos exasperando num lugar chamado Brasil, é porque ele ainda existe. Eu vos direi, no entanto, que, quando acaba a esperança, junto com ela acaba a coisa à qual a esperança se destinava. É à esperança no Brasil que o sociólogo-presidente se refere. Para ele, o Brasil jamais conhecerá um crescimento como o da China ou o da Índia. "Continuaremos nessa falta de entusiasmo, nesse desânimo", diz. O prognóstico é tão mais terrível quanto coincide com – e reforça – o sentimento que ultimamente tomou conta mesmo de quem não é sociólogo nem nunca conheceu por experiência própria os mecanismos de governo e de poder.
O Brasil que "é isso mesmo" é o das adolescentes grávidas e dos adolescentes a serviço do tráfico, das mães que tocam lares sem marido, das religiões que tomam dinheiro dos fiéis, dos recordes mundiais de assassinatos e de mortos em acidentes automobilísticos, dos presos que comandam de suas células o crime organizado, dos trabalhadores que gastam três horas para ir e três horas para voltar do trabalho, das cidades sujas, das ruas esburacadas.
Procura-se o governo e... não há governo. Há muito que nem o presidente, nem os governadores, nem os prefeitos mandam. Quem manda é a trindade formada pelas corporações, máfias e cartéis. Não há governo que se imponha a corporações como a dos policiais, ou a dos professores, ou a dos funcionários das estatais. Não há o que vença as máfias dos políticos craques em arrancar para seus apaniguados cargos em que possam distribuir favores e roubar. Para enfrentar – ou, humildemente, tentar enfrentar – cartéis como o das companhias aéreas, só em época em que elas estão fragilizadas, como agora. Às vezes os cartéis se aliam às máfias, em outras se transmudam nelas. Em outras ainda são as corporações que, quando não se aliam, se transformam em máfias. Em todos os casos, o interesse público, em tese corporificado pelos governos, não é forte o bastante para dobrar os fragmentados interesses privados.
A tais males soma-se o cinismo. Não há outra palavra para descrever o projeto, supostamente de fidelidade partidária, aprovado na semana passada na Câmara. O projeto, muito ao contrário de punir ou coibir os trânsfugas, perdoa-lhes o passado e garante-lhes o futuro. Quanto ao passado, estão anistiados os parlamentares que trocaram de partido e que por isso, no entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, deveriam perder o mandato. No que concerne ao futuro, o projeto estabelece que a cada quatro anos os parlamentares terão folga de um mês na regra da fidelidade partidária, pois ninguém é de ferro, e estarão abertos a negócios e oportunidades. Estamos diante de uma das mais originais contribuições da imaginação brasileira ao repertório universal de regras político-eleitorais. Para concorrer a uma eleição, o candidato deve estar filiado a um partido há pelo menos um ano. Mas, segundo o projeto, no mês que antecede a esse ano de jejum o candidato pode trocar o partido pelo qual foi eleito por outro. Como a eleição é sempre em outubro, esse mês será o setembro do ano anterior. Eis o Carnaval transferido para setembro. O projeto é uma esposa compreensiva que, no Carnaval, libera o marido para a gandaia.
FHC não era tão descrente. No parágrafo final do livro A Arte da Política, em que rememora os anos de Presidência, escreveu: "Se houve no passado recente quem empunhasse a bandeira das reformas, da democracia e do progresso, não faltará quem possa olhar para a frente e levar adiante as transformações necessárias para restabelecer a confiança em nós mesmos e no futuro desse grande país". Na reportagem da revista Piauí, ele não poupa nem seu próprio governo: "No meu governo, universalizamos o acesso à escola, mas pra quê? O que se ensina ali é um desastre". Pálidos de espanto, como no soneto de Bilac, assistimos à desintegração da esperança na pátria, o que equivale a dizer que é a pátria mesma que se desintegra aos nossos olhos."
Roberto Pompeu Toledo, em Veja, de 19/08/2007

17 agosto 2007

Entorpecedor de espíritos

Mais uma vez afirmo que Mino Carta merece leitura diária. Ontem, informando sobre o falecimento de um grande jornalista, falou pouco, mas descreveu bem a situação atual do jornalísmo brasileiro.
"Morreu ontem Joel Silveira. Citei-o em um post recente como um daqueles notáveis repórteres que valorizaram o jornalismo brasileiro e que, atualmente, não se fazem mais. Ou são cada vez mais raros. Era um daqueles capacitados a conferir qualidade literária ao texto jornalístico, figura destacada de uma geração disposta a ver na profissão uma arte. E a provar. Morreu aos 88, foi contemporâneo, entre outros, de Rubem Braga, mais um grande e inesquecível. Depois deles, ainda houve duas, ou três, gerações, certas de que cabia ao jornalismo nivelar por cima. Depois, o naufrágio, incentivado pelos famigerados manuais de redação e munidos pelo deliberado propósito de secundar a credulidade e a ignorância, em nome da tiragem do ibope. Para atingir o sublime objetivo de entorpecer os espíritos e obnubilar as consciências. No marasmo intelectual e moral, o privilegio permanece."
Mino Carta

16 agosto 2007

Lembra?

Em 15 de agosto de 1969, começou o Festival Woodstock. Juntou 400 mil pessoas que celebraram a liberdade, o amor e a paz.
Pena que a mensagem foi esquecida.




15 agosto 2007

A locura de ver e ignorar


Gustave Courbet, Auto-retrato

"E era bom. ‘Não entender’ era tão vasto que ultrapassava qualquer entender – entender era sempre limitado. Mas não-entender não tinha fronteiras (...). O bom era ter uma inteligência e não entender. Era uma bênção estranha como a de ter loucura sem ser doida. Era um desinteresse manso em relação às coisas ditas do intelecto, uma doçura de estupidez. Mas de vez em quando vinha a inquietação insuportável: queria entender o bastante para pelo menos ter mais consciência daquilo que ela não entendia. Embora no fundo não quisesse compreender. Sabia que aquilo era impossível e todas as vezes que pensara que se compreendia era por ter compreendido errado. Compreender era sempre um erro – preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não-entender. Era ruim, mas pelo menos se sabia que se estava em plena condição humana."

Clarice Lispector - Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

14 agosto 2007

Carregar a luta para a frente

Indico a Revista Cult desse mês, inteirinha. Está Excelente. Mas destaco os textos sobre Kierkegaard (principalmente os dois primeiros) e essa entrevista de Noam Chomsky.

"Dele, o jornal inglês The Guardian escreveu: "Noam Chomsky está ao lado de Marx, Shakespeare e a Bíblia como uma das dez mais citadas fontes nas ciências humanas - e é o único autor, entre eles, ainda vivo." O New York Times, com quem trava batalhas há décadas, chamou-o "o mais importante intelectual vivo." Mas Noam Avram Chomsky dificilmente é uma unanimidade. Nem quer ser: a polêmica parece parte essencial desse lingüista que abraçou o pensamento político e insistiu em teses tão provocativas como a defesa do regime sanguinário de Pol Pot na Camboja e a afirmativa de que os mortos do World Trade Center foram poucos em comparação com os provocados por governos americanos no Terceiro Mundo.
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CULT - Devido à sua crítica ao terrorismo, o senhor já foi acusado de, ao contrário, fazer a apologia do terrorismo. O senhor considera que há alguma chance de combater o discurso da ideologia conservadora, que evita o sentido da crítica por meio da confusão de seu conteúdo, como se não tivesse entendido o que ele significa?
Noam Chomsky - O único modo de lidar com o fanatismo ideológico é ignorá-lo e concentrar a atenção em pessoas que têm a mente suficientemente aberta para dar importância a evidências e argumentos. Há dois aspectos no que eu escrevi sobre o terrorismo desde 1981, quando o governo Reagan ocupou o poder declarando que uma "guerra ao terror" seria o foco da política externa dos Estados Unidos, uma "guerra" que foi redeclarada por George Bush em 11 de setembro de 2001. O primeiro é que eu uso a definição oficial de terrorismo dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido. Isso é considerado um escândalo, porque se usamos essas definições, significa diretamente que os Estados Unidos são um poderoso Estado terrorista, e o Reino Unido não fica muito atrás. A conclusão, claro, é inaceitável. Como a lógica é impecável, e a base factual não está em dúvida, a reação-padrão dos que fazem a apologia do terror do Ocidente é de pura irracionalidade. Uma das reações é a que você descreveu: fingir que a condenação consistente de todos os tipos de terror é uma apologia para o terror deles contra nós, o único tipo que pode ser discutido dentro do sistema doutrinário. O segundo aspecto do que escrevo sobre o assunto é que, ao discutir o terror deles, eu acompanho de perto as análises dos principais especialistas em terrorismo islâmico do mundo acadêmico, da inteligência dos Estados Unidos e do jornalismo, como Fawaz Gerges, Michael Scheuer e Jason Burke. Isso também é considerado um escândalo, porque eles fazem análises sérias, e é muito mais conveniente fazer poses heróicas diante das câmeras e falar de "fascismo islâmico", "guerra de civilizações" etc. Quanto ao discurso ideológico conservador, vale a pena ter em mente que algumas das mais extremas e irracionais defesas da agenda política nesses pontos é produzida por pessoas que se definem como liberais e social-democratas. Independente de sua origem, há alguma maneira de confrontar o discurso ideológico? Sim, há uma maneira muito simples: tentar dizer a verdade. Não arranca aplausos da elite intelectual, mas é assim que ela reage normalmente às revelações sobre a natureza e o exercício do poder. O que importa é o público em geral, que é capaz de se libertar das doutrinas e buscar compreensão.
CULT - Seus textos e entrevistas, de um modo ou de outro, defendem a necessidade da reflexão, da análise, do pensamento lúcido capaz de perceber os motivos e o que o senhor - numa entrevista a John Junkerman em 2002 - chamou "componentes de legitimidade" das ações terroristas, ou seja, o que leva à sua existência e possibilidade de que se repitam. Seria, essa ausência de reflexão, algo semelhante ao que Hannah Arendt chamou "vazio do pensamento" e que levava à banalidade do mal? Seria essa, para o senhor, uma idéia atual?
N. C. - Acredito que existe uma similaridade, mas as idéias são simples e diretas. Não vejo necessidade de ocultá-las em uma retórica arrogante e pretensiosa.

CULT - O senhor considera que a humanidade vive atualmente um otimismo inconseqüente? O senhor acredita em algum argumento básico, que pode fazer com que os desatentos reflitam sobre o estado atual da política internacional e das questões relativas à natureza como o aquecimento global, sem parecer apologia do pessimismo? É possível refletir hoje sem usar esse termo?
N. C. - Não apenas acho que é possível, sei que é possível, por experiência e pela história. Todos nós sabemos. Confrontar o poder, a repressão e a injustiça nunca foi fácil, mas muitas tarefas foram realizadas e o sucesso não foi pequeno. As lutas de muitos anos nos deixaram um legado de liberdade que é raro em padrões históricos comparativos. Podemos optar por usar esse legado para carregar a luta para a frente ou podemos decidir abandonar a esperança, acreditando que o pior vai acontecer. Essa escolha é comum no decorrer da história. Felizmente, muitas pessoas não abandonaram a esperança, e não há razão para fazê-lo hoje.

CULT - Considerando que a vida e a morte dos "sem-poder" é decidida soberanamente a cada dia na política interna e externa das nações, o senhor considera que podemos escapar da biopolítica que a política se tornou?
N. C. - Sim. Novamente, podemos escolher o caminho fácil do desespero, mas é uma escolha, não uma necessidade. Aqueles que fizerem essa escolha não terão a gratidão das pessoas que sofrem hoje ou das futuras gerações.

CULT - O senhor considera que os intelectuais têm um papel específico diante da atual ordem
internacional e das questões nacionais e regionais que envolvem o poder?
N. C. - As pessoas são chamadas de "intelectuais" se possuem um determinado grau de privilégio e decidem usar sua oportunidade na arena pública. É fato que o privilégio traz oportunidade, e é um truísmo moral que a oportunidade traga responsabilidade. Portanto, aqueles que são chamados de "intelectuais" têm responsabilidades claras. Como são eles que escrevem a história, o papel histórico dos intelectuais parece muito atraente: corajosos, honrados, defensores da verdade e da justiça etc. A história real é um pouco diferente. O fundador da moderna teoria das relações internacionais, Hans Morgenthau, lamentou o que chamou de nossa "subserviência conformista aos que estão no poder", referindo-se às classes intelectuais. A descrição dele tem um mérito considerável - agora e no passado. Há exceções, é claro, e muitas vezes sofreram por sua integridade - o quanto, depende da natureza da sociedade. Mas a responsabilidade permanece.
CULT - Qual seria o fundamento central, na sua opinião, da conexão entre capitalismo e o totalitarismo mascarado de democracia em que vivemos? O senhor considera que a democracia pode ser liberta pela economia?
N.C. - Os sistemas nos quais vivemos têm muitas falhas, mas estão longe de ser totalitários, embora tenham elementos totalitários. Uma corporação moderna, por exemplo, é tão próxima do ideal totalitário quanto qualquer outra instituição construída pelo homem.
(...)
De maneira mais geral, as decisões sobre economia, vida política e social e outras questões são fortemente influenciadas, de diversas maneiras, pelo poder econômico concentrado. Mas forças populares empenhadas e comprometidas têm muitas oportunidades de modificar políticas e de mudar ou mesmo de desmantelar estruturas institucionais que passarem a considerar ilegítimas. E os sistemas de poder estão conscientes disso. Essa é uma das razões da intensa propaganda tentar manter o público passivo e marginalizado. Não há compulsão para sucumbir a essas pressões. Não há como a democracia ser reconstruída e estendida pela economia, mas não há limites discerníveis quanto ao que o empenho popular pode alcançar. O que está faltando é vontade, não oportunidade.
(...)
CULT - Há alguma chance de escaparmos do projeto do consumismo global desde que a política foi substituida pela economia e assim perdemos a noção de nossas relações?
N.C. - Repetindo, podem optar por sucumbir ao consumismo e a outros tipos de propaganda ou podemos seguir caminhos próprios e independentes. É mais fácil confrontar o consumismo que as câmeras de tortura, fato às vezes esquecido."

08 agosto 2007

Sutura

"Sento-me de pernas cruzadas na cama, bebendo o chá muito devagar e olhando as fotografias dos miúdos. O João sopra bolas de sabão. A Madalena, de amarelo, foge. Deito-me atravessada na cama. É a minha posição preferida. Os pés ficam de fora e eu, tão pequena, sinto-me maior. Fecho os olhos para que a dor passe. Procuro lembrar os sonhos dos dias anteriores. Primeiro sonho: estou em Maputo e rodo a cidade num carro. Os prédios são altos, estão pintados de branco. Há roupa colorida nos estendais. A cidade não é a cidade. Tem lagoas nos arrabaldes. Parecem tanques gigantes esculpidos na rocha. Dois meninos mergulham e os seus corpos desaparecem na água que é verde e amarela. Árvores gigantes largam flores vermelhas pelo chão. O lento leva-as para longe. Olho as lagoas na companhia dos meus irmãos. Quero mergulhar, digo. Eles riem. Segundo sonho: estou nas escadas rolantes de um centro comercial. O Nicolau Brayner espera por mim no piso de baixo, junto de uma loja de mercearias finas. Olho a montra, onde frascos de ovas rivalizam atenções com garrafas de vinho italianas. Alguém nos persegue. Quem será? Fugimos. Eu vou dar a uma casa de madeira na falésia. O mar é tão escuro e bonito, lá em baixo. Estou nisto durante muito tempo. A reconstituir sonhos como quem reconstitui cenas de crimes. Enquanto resonho os meus sonhos, levo as mãos ao nariz. Cheiram a cebola e a alhos. Adormeço com o barulho de uma explosão pequenina. Durmo a noite toda. Tenho um sono descansado que é coisa que nunca tenho. Nem com os comprimidos cor-de-rosa que a minha mãe me dá. Triticut. Tritifur. Triticon. Tritiqualquer coisa. Acordo com a voz do António Macedo. Levanto-me assustada. Sinto-me inesperadamente leve. Reparo então que tenha um buraco no torso. Estou vazia por dentro. Oca. Faltam-me vários órgãos. Estranho a ausência de dor e a calma de me ver assim. Olho em volta. Descubro os meus órgãos espalhados pelo quarto. Recolho os meus pedaços de corpo. Vasculho os cantos e as sombras. O coração está por baixo da cama, esquecido entre dois pares de sapatos velhos. Ainda bate. Encaixo-o dentro de mim. Suturo-me com a linha que utilizo para apertar os rolos de carne."
Blog Ana de Amsterdam

07 agosto 2007

Aniversário

Há 62 anos, o mundo presenciava o maior atentado terrorista da sua história. Às 8h15 do dia 6 de Agosto de 1945, os americanos lançaram sobre a cidade de Hiroshima, no Japão, a bomba atômica. Incontáveis feridos e 100mil pessoas mortas. Além disso, o mundo descobria o sofrimento e a desgraça da radiação nuclear.

Max Desfor, em 06.08.1945




"Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa, da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor, sem perfume
Sem rosa, sem nada."
A Rosa de Hiroshima
de Vinícius de Moraes e Gerson Conrad

05 agosto 2007

Vida efêmera


"São efêmeros, são breves,
os bons momentos felizes,
mas no coração da gente
deixam profundas raízes."
Walter Siqueira

03 agosto 2007

Saudade

"Partir não é ir de todo, nem ficar é permanecer por completo. Há sempre um pouco daquele que fica naquele que vai. Sempre resta um pouco daquele que parte, naquele que fica. Aqueles que se amam, nunca se separam, fundem parcelas de suas vidas. E permanecem um no outro, vivos e imorredouros, através da saudade."