12 setembro 2008

Urubus

Sonhou que entrava numa casa vazia, de paredes brancas, e que se inquietava com a angústia de ser o primeiro ser humano que entrava nela. No sonho recordou que havia sonhado o mesmo na noite anterior e em muitas noites dos últimos anos, e soube que a imagem se apagaria de sua memória ao acordar, porque aquele sonho teimoso tinha a virtude de não ser recordado a não ser dentro do mesmo sonho. Um momento depois, com efeito, quando o barbeiro bateu na porta da oficina, o Coronel Aureliano Buendía acordou com a impressão de que involuntariamente tinha adormecido por breves segundos e que não tinha tido tempo de sonhar nada.
— Hoje não — disse ao barbeiro. — Volte na sexta-feira. Tinha uma barba de três dias, salpicada de pelos brancos, mas achava melhor não se barbear, pois na sexta-feira ia cortar o cabelo e podia fazer tudo ao mesmo tempo. O suor pegajoso da sesta indesejável reviveu nas suas axilas as cicatrizes dos furúnculos. Havia estiado, mas ainda não saíra o sol. O Coronel Aureliano Buendía emitiu um arroto sonoro que devolveu ao paladar a acidez da sopa e que foi como uma ordem do organismo para que jogasse a manta nos ombros e fosse ao reservado. Ali permaneceu mais do que o tempo necessário, agachado sobre a densa fermentação que subia do caixote de madeira, até que o costume lhe indicou que era hora de reiniciar o trabalho. Durante o tempo que durou a espera voltou a se lembrar de que era terça-feira e de que José Arcadio Segundo não tinha estado na oficina porque era dia de pagamento nas fazendas da companhia bananeira. Essa lembrança, como todas as dos últimos anos, passou sem que viesse ao caso pensar na guerra. Lembrou-se de que o Coronel Gerineldo Márquez lhe havia prometido, certa vez, conseguir um cavalo com uma estrela branca na testa e que nunca se voltara a falar disso. Em seguida, derivou para episódios dispersos, mas os evocou sem qualificá-los, porque de tanto não poder pensar em outra coisa tinha aprendido a pensar a frio, para que as lembranças iniludíveis não lhe estragassem nenhum sentimento. De volta à oficina, vendo que o ar começava a secar, decidiu que era um bom momento para tomar um banho, mas Amaranta se havia antecipado a ele. De modo que começou o segundo peixinho do dia. Estava engatando o rabo quando o sol saiu com tanta força que a claridade rangeu como uma canoa. O ar lavado pela chuvinha de três dias se encheu de tanajuras. Então caiu em si, percebendo que tinha vontade de urinar e estava adiando até que acabasse de armar o peixinho. Ia para o quintal, às quatro e dez, quando ouviu os instrumentos longínquos, as batidas do bumbo e a alegria das crianças, e pela primeira vez desde a juventude pisou conscientemente numa armadilha da saudade e reviveu a prodigiosa tarde de ciganos em que o seu pai o levou para conhecer o gelo. Santa Sofía de la Piedad abandonou o que estava fazendo na cozinha e correu para a porta.
— É o circo — gritou. Em vez de se dirigir ao castanheiro, o Coronel Aureliano Buendía foi também para a porta da rua e se misturou com os curiosos que contemplavam o desfile. Viu uma mulher vestida de ouro no cangote de um elefante. Viu um dromedário triste. Viu um urso vestido de holandesa que marcava o compasso da música com uma concha e uma caçarola. Viu os palhaços virando cambalhotas no final do desfile e viu outra vez a cara da sua solidão miserável quando tudo acabou de passar e não ficou senão o luminoso espaço na rua e o ar cheio de tanajuras e uns quantos curiosos próximos ao precipício da incerteza. Então foi para o castanheiro, pensando no circo, e enquanto urinava tentou continuar pensando no circo, mas já não encontrou a lembrança. Meteu a cabeça entre os ombros, como um frango, e ficou imóvel com a testa apoiada no tronco do castanheiro. A família não soube de nada até o dia seguinte, às onze da manhã, quando Santa Sofia de la Piedad foi jogar o lixo no quintal e lhe chamou a atenção o fato de estarem baixando os urubus.
Gabriel Garcia Márquez - Cien Años de Soledad

Nenhum comentário: