06 março 2007

Um a menos na luta

Dia triste para a filosofia mundial. Hoje faleceu o pensador francês Jean Baudrillard. Como grande estudioso da sociedade pós-moderna, foi uma das vozes mais críticas à vida de aparências - vida sem profundidade - e que é envolta por máscaras sociais (ou simulácros). Segundo ele, todas as nossas representações (palavras ou pensamentos) são simples simulações do que é a verdade ou a realidade, que surgem influenciadas através dos mais variados signos.
Destaco algumas partes de uma entrevista que ele concedeu para a revista Época, em 2003.
"Sou um dissidente da verdade. Não creio na idéia de discurso de verdade, de uma realidade única e inquestionável. Desenvolvo uma teoria irônica que tem por fim formular hipóteses. Estas podem ajudar a revelar aspectos impensáveis. Procuro refletir por caminhos oblíquos. Lanço mão de fragmentos, não de textos unificados por uma lógica rigorosa. Nesse raciocínio, o paradoxo é mais importante que o discurso linear. Para simplificar, examino a vida que acontece no momento, como um fotógrafo. Aliás, sou um fotógrafo.
(...)
Os signos evoluíram, tomaram conta do mundo e hoje o dominam. Os sistemas de signos operam no lugar dos objetos e progridem exponencialmente em representações cada vez mais complexas. O objeto é o discurso, que promove intercâmbios virtuais incontroláveis, para além do objeto. No começo de minha carreira intelectual, nos anos 60, escrevi um ensaio intitulado 'A Economia Política dos Signos', a indústria do espetáculo ainda engatinhava e os signos cumpriam a função simples de substituir objetos reais. Analisei o papel do valor dos signos nas trocas humanas. Atualmente, cada signo está se transformando em um objeto em si mesmo e materializando o fetiche, virou valor de uso e troca a um só tempo. Os signos estão criando novas estruturas diferenciais que ultrapassam qualquer conhecimento atual. Ainda não sabemos onde isso vai dar.
(...)
Alguma coisa se perdeu no meio da história humana recente. O relativismo dos signos resultou em uma espécie de catástrofe simbólica. Amargamos hoje a morte da crítica e das categorias racionais. O pior é que não estamos preparados para enfrentar a nova situação. É necessário construir um pensamento que se organize por deslocamentos, um anti-sistema paradoxal e radicalmente reflexivo que dê conta do mundo sem preconceitos e sem nostalgia da verdade. A questão agora é como podemos ser humanos perante a ascensão incontrolável da tecnologia.
(...)
O fato, porém, é que Matrix faz uma leitura ingênua da relação entre ilusão e realidade. Os diretores se basearam em meu livro Simulacros e Simulação, mas não o entenderam. Prefiro filmes como Truman Show e Cidade dos Sonhos, cujos realizadores perceberam que a diferença entre uma coisa e outra é menos evidente. Nos dois filmes, minhas idéias estão mais bem aplicadas. Os Wachowskis me chamaram para prestar uma assessoria filosófica para Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, mas não aceitei o convite. Como poderia? Não tenho nada a ver com kung fu. Meu trabalho é discutir idéias em ambientes apropriados para essa atividade.
(...)
A arte se integrou ao ciclo da banalidade. Ela voltou a ser realista, a desejar a restituição da reprodução clássica. A arte quer cumplicidade do público e gozar de um status especial de culto, situação prefigurada nas sinfonias de Gustav Mahler. Claro que há exceções, mas, em geral, os artistas se renderam à realidade tecnológica. Desde os ready-mades de Marcel Duchamp, a importância da arte diminuiu, porque a obra de arte deixou de ter um valor em si. Os signos soterraram a singularidade. Os artistas se submetem a imperativos políticos, e não mais seguem ideais estéticos. A arte já não transforma a realidade e isso é muito grave."
Adorei também a devinição da sociedade americana, quando a define como uma sociedade com "dualismos maniqueístas, um país que se construiu a partir das simulações, um deserto da cultura no qual o vazio é tudo. Os Estados Unidos são o grau zero da cultura, possuem uma sociedade regressiva, primitiva e altamente original em sua vacuidade."

Ceci n´ets pas une pomme, ou Isso não é uma maçã, pintura de René Magritte

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