29 março 2007

Verissimo

A coluna de hoje de Luis fernando Verissimo para a Gazeta do povo tem tudo a ver com a Alegoria da Caverna, confiram:

"Em inglês há uma expressão bonita para dar-se conta, ter uma revelação, entender. "It dawned on me". Amanheceu em mim. Descreve o sentimento de subitamente ver com clareza o que antes era obscuro como uma aurora interior. Idéias amanhecem dentro de nós. Os olhos de uma pessoa se iluminarem quando ela tem uma percepção nova não é um clichê literário, é a luz deste alvorecer saindo pelos olhos. Não sei se existe expressão parecida em outras línguas, mas ela deveria ser universal. Afinal, sua origem é a experiência mais comum da humanidade desde que ela viu sua primeira aurora, a do sol afastando as trevas, a da noite dando lugar ao dia e à sua maior dádiva, que é a de nos permitir enxergar. O amanhecer é uma metáfora pronta, e reincidente. A usamos para escrever a História: o Renascimento como um novo dia depois da noite medieval, o Iluminismo como o sol resgatando o espírito humano das sombras da ignorância e da superstição etc. Mas tanto como figura de linguagem quanto como alegoria histórica, todo amanhecer tem sua conseqüência, também reincidente e inescapável. Nenhum dia é para sempre, todo amanhecer anoitece. Não importa quantas auroras pessoais você experimentar, e quantas revelações e verdades vierem iluminá-lo por dentro, elas não são permanentes, nem farão muita diferença fora da sua pele. A lição do mundo é que as auroras não pegam. O que se vê aí fora, com os vários fundamentalismos em conflito, as religiões recaindo nos seus hábitos, sem trocadilho, mais retrógrados e as pessoas se retribalizando na proporção exata em que o dinheiro que as governa se globaliza e acreditando em feitiços cada vez mais estranhos, não é exatamente no que se esperava que desse a Idade da Razão. Antes parece ser um fim de dia. Que noite está por vir, ninguém sabe."

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