04 julho 2008

Homens X Mulheres

A última mesa desta quinta-feira na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), intitulada "Sexo, Mentiras e Videotape", reuniu três escritoras --a gaúcha Cíntia Moscovich, a portuguesa Inês Pedrosa e a inglesa Zoë Heller -- e um mediador homem, o escritor português José Luis Peixoto, para discutirem sobre a literatura feminina e o mundo sob a visão da mulher.

Confira o especial da Flip

As três escritoras iniciaram as discussões lendo trechos de seus livros mais recentes: "Por que Sou Gorda, Mamãe?', de Moscovich (Record, 2006), "Fica Comigo Esta Noite", de Pedrosa (2007, Planeta do Brasil), e "Anotações sobre um Escândalo", de Heller (Record, 2006), que deu origem ao filme "Notas sobre um Escândalo", de 2006, com Cate Blanchett e Judi Dench.

Densos e repletos de questões e conflitos femininos, os trechos lidos serviram de ponto de partida para as perguntas do mediador. Moscovich falou sobre obesidade e relações com a mãe, Heller discorreu sobre conflitos sexuais, solidão e exposição e, por fim, Pedrosa sintetizou o mundo feminino em tópicos sexuais e de raízes,- a história de seu livro se passa em Salvador.

Heller abriu a conversa falando da exposição humana relatada em seu livro [a personagem é uma mulher de 42 anos que tem um relacionamento sexual com um menino de 14, e a história se transforma em um escândalo]. A escritora questionou o comportamento da imprensa, dizendo que pelo que sabe, jornalistas são, ao menos em sua maioria, pessoas bem informadas, com curso superior, e que, em situações como as que envolvem um escândalo, parecem ficar com a cabeça muito pequena.

"Existe o sexo sadio e o não-sadio. Mulheres adultas que têm relações com meninos de 14 anos fazem parte do grupo não-sadio. Em minha opinião, se uma mulher se interessa por um cordeirinho, e esse cordeirinho também quer, não vejo nenhum problema nessa relação", disse.

Segundo ela, existe uma diferença de abordagem entre o mundo feminino e o masculino. "Na mesma situação, homens e mulheres são classificados de formas completamente distintas: a mulher faz sexo não-sadio, mas o homem é um predador."

Pedrosa fez coro a essa questão. Ela falou sobre o pudor dos portugueses e do preconceito que ronda algumas formas de abordagem da sexualidade. Lembrou de uma visita de Caetano Veloso a Portugal em que ele cantou trecho de uma música que dizia "Estou-me a vir" [estou tendo um orgasmo], e que deixou desconcertadas várias pessoas do público que o ouvia.

Ela lembrou também da forma castradora como a sociedade portuguesa ainda trata alguns de seus grande autores, como a escritora e poetisa Maria Teresa Orta, cujos textos expõem de maneira crua a questão do sexo.

Questionadas sobre a sexualidade da literatura, Heller disse não existir literatura feminina nem literatura homossexual nem literatura judaica nem negra. "O que existe é literatura boa ou literatura ruim." Pedrosa [que foi editora da revista "Marie Claire" portuguesa por dez anos] concordou com a colega, acrescentando que o feminismo, enquanto precisar existir, só fará sentido se for compartilhado da mesma maneira por homens e mulheres. "É preciso acabar com a tolerância à tradição. Quando os homens falam, é universal. Quando as mulheres falam, é uma questão de gueto. Não pode haver essa divisão", disse.

Ela explicou que quando ainda era editora da revista "Marie Claire" --que fez questão de classificar como uma publicação feminista, e não feminina--, proibiu sua equipe de reportagem de perguntar a mulheres sobre como elas conseguiam conciliar carreira e vida pessoal. Mas permitiu a pergunta a homens, alegando que estes que nunca tiveram a chance de responder a esse questionamento.

No final da discussão, o mediador disse ter ficado surpreso por ler, logo nas primeiras páginas de Heller, sobre a masturbação quase compulsiva de uma mulher. Em reposta, ela disse: "Eu estou encantada com sua ignorância, José. Estou feliz por poder te passar esse conhecimento, sobre a existência da masturbação feminina".

LIGIA BRASLAUSKAS - Folha Online

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